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  • Foto do escritorObservatório das Eleições

O PT como extrema-esquerda, uma narrativa contra as evidências

Rafael Câmara*


Uma importante narrativa construída durante o primeiro turno da eleição presidencial de 2018 foi a de que as candidaturas do PT e do PSL representariam dois polos equidistantes dentro do espectro ideológico. Explorada à exaustão pelos candidatos que buscavam os votos dos eleitores mais moderados, essa narrativa dependia da disseminação de uma ideia de difícil conciliação com a realidade: o enquadramento do PT como um partido radical, situado na extrema-esquerda da escala ideológica.


Tendo em vista a lógica da campanha eleitoral, é possível compreender a razão da elaboração desse discurso. Pronunciamentos eleitorais têm como objetivo principal conquistar votos para seus emissores e não descrever de maneira fidedigna o funcionamento do sistema partidário ou do sistema político de maneira mais geral. Por ironia do destino, a narrativa, cujo propósito central seria alavancar alguma das candidaturas de centro ou centro-direita ao segundo turno, acabou por prosperar enquanto os candidatos que mais se esmeraram para propagá-la fracassaram retumbantemente na corrida presidencial. Agora, a alguns dias da definição do pleito eleitoral e diante de uma candidatura de extrema-direita que claramente representa uma ameaça à democracia, resta aos defensores do jogo democrático a tarefa de colocar os pingos nos “is”, para evitar que a desinformação dos eleitores possa ter algum impacto na disputa eleitoral.


Não faltam elementos para rejeitar a tese do PT como um partido extremista e alguns estudiosos e analistas da política têm apresentado tais pontos de maneira bastante clara. Para ficar em apenas um exemplo, Maria Hermínia Tavares de Almeida, em artigo recente, apontou como o PT adotou a estratégia característica dos partidos reformistas de tipo social-democrata ao redor do mundo, apostando na via eleitoral e governando dentro das regras democráticas, evitando alterar as instituições em benefício próprio. Isso é mais do que pode ser dito sobre o PSDB, partido que ninguém chamaria de extremista, mas o qual não apenas contestou o resultado eleitoral em 2014 como alterou a regra da reeleição para seu próprio proveito.


Para o observador atento da política brasileira, este diagnóstico deveria ser óbvio, os governos comandados petistas sempre se apoiaram sobre coalizões amplas e ideologicamente heterogêneas, contemplando partidos de esquerda, centro e direita. Lula e Dilma jamais tentaram passar por cima do Congresso Nacional, como buscou Fernando Collor ao não formar uma coalizão majoritária de governo e buscar governar prioritariamente através de medidas provisórias.


O fato é que, mesmo com tantas evidências em sentido contrário, a narrativa do PT como um partido extremista ganhou força nesta eleição e, dados os movimentos mais recentes dos candidatos derrotados em primeiro turno, não parece que será possível contar com o apoio destes atores para desfazer a confusão criada na etapa inicial da eleição presidencial. Felizmente, o estudo da política e de suas elites não começou ontem e é possível recorrer ao registro das opiniões dos membros dos partidos políticos emitidas ao longo dos governos do PT para esclarecer a situação. O gráfico abaixo apresenta os dados da pesquisa Elites Parlamentares na América Latina[i], a qual realizou surveys na Câmara dos Deputados nos anos de 2005, 2010 e 2014 e perguntou aos parlamentares como eles classificaram o PT em uma escala ideológica de 1 a 10, na qual um representa o ponto mais à esquerda e dez o ponto mais à direita da escala. As linhas do gráfico apresentam quatro informações: como o conjunto total de deputados entrevistados posicionou o PT nas três ondas da pesquisa; como os deputados do PSDB posicionaram o PT; como os deputados do PMDB posicionaram o PT e como os deputados do PT posicionaram o próprio partido.

Os resultados são reveladores. O conjunto de deputados entrevistados jamais classificou o PT abaixo do ponto 4 na escala apresentada, posicionando-o próximo ao campo da centro-esquerda. O mesmo vale para o PSDB e o PMDB que em algumas das ondas chegaram a classificara o PT como um partido de centro, muito longe da extrema-esquerda. Por sua vez, os deputados do PT posicionaram o próprio partido sempre entre os valores 2,83 a 3,39, demonstrando enxergar o próprio partido como uma esquerda moderada.


Não há espaço para dúvida, a elite partidária nunca considerou o PT como um partido de extrema-esquerda, mas não hesitou em utilizar este discurso em sua estratégia de campanha eleitoral. Deu errado. E pode dar mais errado ainda.


*Doutor em Ciência Política pela UFMG e pesquisador do Centro de Estudos Legislativos DCP/UFMG.

[1] Pesquisa realizada no Brasil pelo Centro de Estudos Legislativos em parceria com a Universidade de Salamanca. Para mais informações, acesse: http://americo.usal.es/oir/elites/index.htm ou http://www.centroestudoslegislativos.com.br/index.php/pesquisasdf/8-representacao-politica-e-qualidade-da-democracia-um-estudo-das-elites-parlamentares-da-america-latina


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