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  • Foto do escritorObservatório das Eleições

Câmara dos Deputados: já não se fazem grandes partidos como antigamente

Carlos Ranulfo Melo*

Denisson Silva**

O Congresso brasileiro tem se mantido como o mais fragmentado dentre as democracias dotadas de algum grau de estabilidade no mundo. Na Câmara, o número de partidos cresceu ao longo da década de 1980, estabilizou-se em torno de 20 entre 1990 e 2010, subiu para 28 após a eleição de 2014 e chegou a 30 com os resultados de 2018.


O número absoluto de partidos, no entanto, não é o melhor indicador para que se possa avaliar o grau de fragmentação em uma casa legislativa. Em seu lugar, a literatura especializada utiliza o número efetivo de partidos, calculado por meio de uma fórmula que leva em conta o tamanho de cada legenda e, desse modo, permite uma percepção mais clara de quantos são os partidos relevantes, aqueles que possuem maior peso no processo decisório.


A figura 1 mostra a evolução, entre 1982 e 2018, dos dois indicadores acima mencionados para a Câmara dos Deputados. Cabe notar que para a presente eleição está valendo a cláusula de desempenho – que exige a obtenção de 1,5% dos votos válidos, distribuídos em nove estados com pelo menos 1,0% em cada um deles ou a eleição de nove deputados federais, também em estados diferentes, sob pena de impedir o acesso aos recursos do Fundo Partidário e ao horário gratuito no rádio e na TV. Tal restrição pode fazer com que deputados eleitos por partidos com desempenho abaixo do estabelecido busquem outras legendas, alterando, dessa maneira, a composição resultante das urnas.


Como não se pode prever o que farão estes legisladores, optou-se por ignorar o potencial efeito da cláusula sobre a fragmentação. De todo modo, o resultado aqui apresentado para o número efetivo de partidos não deve se distanciar de forma significativa do que realmente irá prevalecer na Casa – isso porque a reacomodação dos deputados só terá impacto significativo caso os 36 eleitos pelos dez partidos atingidos pela cláusula (PC do B, Patriotas, PHS, PMN, PPL, PRP, Rede, DC e PTC) resolvam migrar para apenas uma ou duas legendas; caso contrário, o efeito de sua eventual movimentação se diluirá.


A legislatura a ser iniciada em 2019 apresentará, como mostra a Figura 1, um quadro de dispersão ainda mais forte do que aquele resultante das eleições de 2014, com o número efetivo de partidos saltando de 13,3 para 16,7. Diga-se de passagem, o mesmo aconteceu no Senado Federal: descontada a possibilidade de migração entre as legendas, os 21 partidos que conseguiram representação farão com que a fragmentação chegue a 13,6, valor significativamente mais elevado do que o observado na legislatura anterior (8,3).


Figura 1


Fontes: TSE e Câmara dos Deputados

Um aspecto que vale a pena ressaltar na trajetória ascendente da fragmentação na Câmara refere-se à progressiva perda de força dos “grandes” partidos. A figura 2 facilita a visualização do problema. Nela os partidos foram divididos em quatro “categorias”. Partidos de tipo A são aqueles com o controle de mais de 10% das cadeiras. Os de tipo B situam-se entre 5,1% e 10%. Entre 1% e 5% estão os de tipo C. A quarta categoria (D) é composta pelas legendas que não chegam a 1,0% dos eleitos.

Figura 2

Fontes: TSE e site da Câmara dos Deputados.

Os dados mostram de forma clara a alteração na força relativa dos partidos. As maiores legendas (tipo A) haviam perdido força em 1990, mas voltaram a crescer até 1998. Nesse último ano, cinco partidos – PMDB, PSDB, PT, PFL e PP – possuíam mais de 10% das cadeiras e juntos somavam 79,4% dos votos. Daí em diante os maiores partidos cederam espaço na Câmara – em 2019, apenas dois partidos, PSL e PT, possuirão mais de 50 parlamentares. Suas bancadas somadas, descontada a ocorrência de migrações, chegarão a apenas 21% da casa. Ao fim e ao cabo, na Câmara que acaba de ser eleita prevalecem os partidos de tipo “médio”, com bancadas que representam entre 5% e 10% dos votos. Nesse cenário, a diferença entre o primeiro partido de tipo A (PT) e o último de tipo C (PHS), é de apenas 9,7% das cadeiras.


Do ponto de vista da relação entre os partidos, uma situação como essa pode ter pelo menos dois tipos de consequência. Por um lado, tende a elevar o grau de incerteza na definição da Mesa Diretora e das presidências das Comissões Permanentes, aumentando a importância da formação dos blocos. Por outro, além de apontar para um quadro onde qualquer coalizão governativa que se queira produzir terá que contar com elevado número de parceiros, diminui a relevância do partido formador da coalizão sobre os demais. No que se refere ao apoio legislativo ao governo, o formador deixa de ser o primeiro entre os pares, para se tornar mais um. Em um cenário de partidos “médios”, todos passam a ser importantes e o poder de chantagem de cada um torna-se semelhante, dificultando ainda mais uma coordenação eficiente da base governista.


* Professor titular do Departamento de Ciência Política da UFMG

**Doutorando em Ciência Política pela UFMG

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