Rafael Câmara
Acompanhar as idas e vindas dos parlamentares no Congresso Nacional não é das tarefas mais fáceis. Desde a última eleição para a Câmara dos Deputados, nossa Câmara Baixa registrou mais de 270 movimentações partidárias responsáveis por alterar substantivamente o perfil da casa da legislativa. Tamanhas foram as mudanças que o eleitor que prestou pouca atenção aos deputados desde a última vez em que foi votar pode ter dificuldade em reconhecer a Câmara que contribuiu para eleger quatro anos antes. Dos 513 deputados eleitos, 163 mudaram de legenda pelo menos uma vez durante a atual legislatura.
As consequências da migração dos parlamentares não devem ser subestimadas. Do ponto de vista da representação, as mudanças violam o princípio da proporcionalidade sobre o qual foi desenhado nosso sistema eleitoral. Os sistemas desenhados segundo esse princípio buscam garantir uma correspondência entre os votos recebidos pelos partidos e sua representação. Do ponto de vista da governabilidade, as mudanças de legenda afetam o tamanho das bancadas dos partidos que integram governo e oposição, podendo ter efeitos variados. Nos últimos 10 anos, como a migração se deu principalmente através da criação de novos partidos, a movimentação dos parlamentares associou-se também à fragmentação do legislativo, um elemento complicador da formação e gerenciamento de coalizões legislativas. Por fim, os efeitos das movimentações partidárias sobre as eleições subsequentes também precisam ser observados. Os partidos que conseguem aumentar suas bancadas durante a legislatura tendem a ter uma vantagem na próxima contenda eleitoral, uma vez que os deputados que buscam um novo mandato têm boas chances de reeleição. Em 2014, de 391 deputados que buscaram a reeleição, 290 tiveram sucesso.
Para investigar o padrão de migrações da atual legislatura, pode-se recorrer a uma análise da rede de migrações dos deputados, conforme representada pela figura 1. O grafo direcionado mostra os principais caminhos dos deputados em sua rota de migração. Embora os dados mereçam uma análise mais pormenorizada que foge aos objetivos deste texto, é possível destacar alguns pontos principais:
Os deputados pertencentes a partidos de centro e direta, poucas vezes migraram para partidos de esquerda. Os maiores partidos de centro e direita formaram uma densa rede de conexões e ocuparam um local central na rede. A literatura da Ciência Política já demonstrou que, em sua maioria, os deputados preferem migrar para legendas que se encontram dentro do mesmo campo ideológico do partido de origem. Os dados aqui sugerem que os maiores partidos de centro e direita apresentam considerável proximidade em relação à sua ideologia, mas que se diferenciam dos partidos de esquerda.
DEM, PTN/PODE, PP e PSL foram, respectivamente, os partidos que mais ganharam cadeiras no período. Em contrapartida, PMDB/MDB, PTB, PT e PSB foram as legendas que mais perderam deputados. O PMDB ocupou um local central na rede, estabelecendo ligações com partidos espalhados por todo o espectro ideológico. Todavia, os deputados que migraram para esse partido o fizeram apenas como uma forma de escapar da antiga regra que barrava a migração sem justa causa[1]. Neste sentido, o partido serviu apenas como uma ponte para que os deputados chegassem a outras legendas.
Entre os principais partidos de esquerda, nota-se uma diferença entre os padrões migratórios dos deputados do PT e do PCdoB, em relação ao aos parlamentares do PSB e do PDT. Os dois primeiros partidos apresentam uma rede de conexões menos densa (o que indica que há migrações menos frequentes) e que concentra suas ligações entre os partidos de esquerda. Já o PDT apresentou uma rede de conexões dividida entre esquerda e direita. Por sua vez, o PSB, apresentou uma densa rede de conexões com os partidos de centro e direita, sinalizando as mudanças pelas quais o partido vem passando nos últimos anos. Se entre 1994 e 2013, o partido se manteve alinhado com as principais decisões políticas de PT, PCdoB e PDT, o mesmo não ocorreu nos últimos anos, quando o partido apoiou até mesmo o impeachment de Dilma Rousseff.
Mesmo no período entre as eleições, o Congresso Nacional nunca para de se movimentar, perceber tais mudanças é fundamental para compreender nosso sistema partidário.
[1] Essa regra esteve em vigor entre 2007 e 2015. Durante este período o partido político interessado poderia pedir à Justiça Eleitoral a decretação da perda de cargo eletivo em decorrência de desfiliação partidária sem justa causa. Segundo essa regra, poderia ser considerada justa causa: I) incorporação ou fusão do partido; II) criação de novo partido; III) mudança substancial ou desvio reiterado do programa partidário; IV) grave discriminação pessoal. Em 2015, foi aprovada a nova lei que estabelece uma janela em que os parlamentares podem mudar de partido. Esta janela ocorre nos 30 dias anteriores ao último dia do prazo para a filiação partidária, que ocorre seis meses antes do pleito.
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