João Feres Júnior*
O comportamento da mídia em períodos eleitorais é um tema já tradicional dos estudos acadêmicos, inclusive no Brasil. No caso da eleição de 2018 há razões para crermos que a mídia será ainda mais relevante do que de costume. Para compreender essa hipótese, é necessário pensar a eleição como um evento comunicativo. Ela começa em uma situação em que os eleitores sequer conhecem os nomes dos candidatos e termina com o resultado das urnas, que sem exceção revela que a imensa maioria do eleitorado fez uma escolha política, votou em algum candidato.
Como esses cidadãos passaram do estado inicial de relativa ignorância política ao estado final de efetuar a escolha na urna? Por meio da aquisição de informação. Essa informação é adquirida majoritariamente por três meios: propaganda eleitoral direta de partidos e candidatos, noticiário jornalístico e conversas com amigos e conhecidos. Esse último item pode ser deletado da equação, pois amigos e conhecidos têm altíssima probabilidade de terem adquirido informações políticas dos outros dois meios (campanha ou mídia), ou de outros amigos e conhecidos que no final das contas adquiriram as informações de alguma campanha ou da mídia.
A campanha eleitoral já não pode ser a mesma. A Lei 13.165, de 2015, aprovada sob a batuta do então presidente da Câmara, Eduardo Cunha, reduziu o período oficial de campanha de 90 para 45 dias. Não bastasse isso, o tempo de propaganda gratuita na TV e no rádio caiu de 45 dias para 35. Ou seja, partidos e políticos terão muito menos tempo para passar sua mensagem diretamente para o eleitorado. Não bastasse isso, a proibição do financiamento empresarial, medida em si potencialmente benéfica por diminuir o impacto do capital sobre o resultado eleitoral, diminuiu bastante a disponibilidade de recursos financeiros para as campanhas, que por seu turno tem um impacto negativo sobre seu poder comunicativo. Em suma, a capacidade comunicativa geral de partidos e políticos será menor que de costume.
Se há na prática somente dois meios de comunicação efetivos, campanha e mídia, e se a campanha perde poder, a mídia necessariamente aumenta seu poder relativo. Isso não é uma boa notícia dado o histórico de forte politização e enviesamento do jornalismo praticado pelos grandes meios de comunicação em nosso país.
Tradicionalmente, há alguma mudança de comportamento dos meios do período pré-eleitoral para o período oficial de campanha, que começa agora em agosto. Nos gráficos abaixo, analiso este primeiro momento, em outras palavras, como a grande mídia brasileira tratou os principais pré-candidatos à presidência da república no período que vai do começo do ano de 2018 até agora, final de julho.
Utilizo para essa análise a base de dados do Manchetômetro, que contém todos os textos publicados nas capas e páginas de opinião dos jornais Folha de S.Paulo, Estado de S.Paulo e O Globo e do Jornal Nacional, programa de notícias da Rede Globo. No caso deste texto, examinarei os resultados para o período de 1 de janeiro de 2018 até o começo de agosto do mesmo ano, a fim de se capaz de interpretar o comportamento dos meios no período pré-eleitoral.
A computação da cobertura bruta (agregada) dos pré-candidatos nesses meios revela os seguintes resultados:
É interessante notar que um primeiro olhar parece mostrar que a intensidade da cobertura não é totalmente dissimilar aos resultados que as pesquisas de intenção de voto têm revelado. Lula isoladamente à frente, Bolsonaro em segundo lugar nas pesquisas e em terceiro na cobertura, seguido de Alkmin, Ciro e Marina. O fato de Alkmin receber maior cobertura que sua performance nas pesquisas pode se explicar em parte pelo fato de duas mídias serem jornais de São Paulo, estado do qual foi governador por muitos anos, até recentemente, isto é, muitas notícias não são diretamente relacionadas à eleição.
Um segundo olhar, que leva em consideração a valência das matérias, releva outros aspectos da cobertura. Para tal usarei o Índice de Viés (IV), calculado pela seguinte fórmula:
IV = (F — C) / T
Na qual F é o número de matérias favoráveis, C o número de contrárias e T o número total de matérias sobre um determinado objeto. Com essa fórmula podemos estimar a intensidade de viés ao mesmo tempo que controlamos para o número de textos: ter um saldo de duas matérias contrárias em um total de 4 matérias é bem diferente de ter as mesmas duas contrárias em um total de 400 matérias.
Vejamos o gráfico:
Como mostra o gráfico acima, Lula não é somente o pré-candidato disparado com o maior número de matérias, ele é o que recebe o tratamento mais negativo da cobertura de imprensa. Mesmo o radical de direita Bolsonaro, bastante rejeitado pela mídia por suas posturas contrárias a valores liberais, tem um IV que é 2/3 do de Lula. O IV de Alckmin, político que foi teve seu nome ou de seu governo citados em várias denúncias de corrupção esse ano, tem um IV que é aproximadamente metade daquele recebido por Lula. Já Ciro e Marina tem IVs baixos, o que parece indicar uma cobertura mais benigna, mas precisamos levar em conta o fato de que a cobertura de ambos foi bastante exígua no período estudado.
Por fim, é preciso levar em consideração o fato de que as notícias sobre Lula, ao contrário das que tratam dos outros políticos, não o tratam como candidato propriamente, mas como réu da Lava Jato: a maior parte dos textos sobre o petista diz respeito a eventos relacionados a sua prisão e à contenda jurídica em torno dela.
A grande mídia brasileira mostrou ao longo do período pré-eleitoral um baixíssimo nível de ativação em relação ao debate eleitoral e à cobertura de candidatos. Lula, o líder das pesquisas, foi frequentemente objeto da cobertura, mas não como potencial candidato. Ou seja, sua liderança na preferência popular não se deve ao tratamento que a mídia lhe dispensa, mas a outros fatores, provavelmente ligados à memória de seus governos.
Com o começo do período oficial de campanha a grande mídia já mostra sinais de que vai aumentar expressivamente a intensidade da cobertura. Infelizmente, a tradição de militância política e de enviesamento da cobertura da grande mídia brasileira em períodos eleitorais nos fazem esperar o pior, ainda mais em um contexto comunicacional no qual sua importância relativa aumentou em relação aos outros canais de comunicação entre políticos, partidos e o eleitorado.
* Professor de Ciência Política do Instituto de Estudos Sociais e Políticos (IESP)/UERJ. subcoordenador do INCT - Instituto da Democracia e da Democratização da Comunicação
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