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Foto do escritorObservatório das Eleições

Divergindo com Duverger

por João Feres Júnior e Fabiano Santos

(IESP/UERJ)


Os resultados da pesquisa IBOPE do dia 24 de setembro confirmam as tendências, apontadas também pelos demais institutos: a liderança de Jair Bolsonaro, de extrema-direita, e de Fernando Haddad, de centro-esquerda. É natural que as análises políticas se concentrem sobre esses dois personagens. Parece-nos, contudo, nevrálgico no atual cenário analisar a enorme diferença de desempenho das duas siglas que têm monopolizado as eleições presidenciais desde 1994, a saber, PT e PSDB, deixando de lado os candidatos de partidos menores ou com pouca tradição nestas disputas. Isto tem sido feito no bojo deste observatório sendo o artigo que segue mais uma contribuição nesse sentido. Aqui, propomos resgatar a disjuntiva clássica de Maurice Duverger entre partidos de massa e partidos de quadros e aplicá-la ao problema levantado.


Vejamos abaixo o desempenho dos candidatos de cada partido nas pesquisas feitas pelo IBOPE para o pleito deste ano.

Fonte: Ibope


De imediato, chama atenção no gráfico a incapacidade de Alckmin de alavancar sua candidatura, a despeito de liderar coligação composta por nove partidos que lhe garantiu, além de enorme capilaridade (o famoso “palanque”), cerca de metade do horário eleitoral (cinco minutos e 32 segundos em cada bloco diário). A esperada transferência de eleitores dos candidatos nanicos de direita (Álvaro Dias, João Amoedo e Henrique Meirelles), à medida que a data do primeiro turno se aproxima, dá sinais de que está fazendo água. Na última pesquisa, quando tais candidaturas oscilaram para baixo, seus apoiadores parecem ter migrado em direção a outro partido nanico, o PSL, do candidato esbravejante, Jair Bolsonaro.


Já Fernando Haddad dissipou boa parte das dúvidas a respeito da capacidade do ex-presidente Lula de transferir seu enorme capital político para alguém até então desconhecido do eleitorado. Antes mesmo de ser declarado candidato oficial do PT, na pesquisa do dia 11 de setembro, Haddad já alcançava empate técnico com Alckmin. Agora, ao longo das duas últimas semanas, cresceu 14 pontos percentuais.


Mas quais seriam as razões da incapacidade de Alckmin de liderar o voto conservador e assim, ajudado por sua ampla coligação partidária, alcançar o segundo turno? E como explicar a resiliência demonstrada pelo PT?


A nosso ver a literatura clássica da ciência política pode ajudar a fornecer sentido a esse quadro tão enigmático, mais especificamente, os conceitos de partidos de quadros e partidos de massa, propostos por Maurice Duverger em 1960. Vejamos.

A grande mídia tem ao longo dos anos associado a imagem do PT ao que há de mais abjeto no processo político brasileiro, a corrupção, como mostra o gráfico de valências da cobertura do partido desde 2014 [1]:

Fonte: Manchetômetro


No período que vai da posse de Dilma, janeiro de 2015, ao seu afastamento, maio de 2016, o partido recebeu uma média de 174 matérias negativas por mês nos meios pesquisados -- isso dá uma média de quase 6 matérias por dia – com picos de quase 300 por mês. No mesmo período, o principal adversário político do Partido dos Trabalhadores, o PSDB, recebia uma cobertura bem mais benigna da grande mídia nacional, como se vê abaixo:

Fonte: Manchetômetro


Na média, a cobertura do PT foi 4 vezes mais negativa que a do PSDB no período. Contudo, é preciso notar que a partir de maio de 2017, com o vazamento das gravações de conversas entre Joesley Batista e Aécio Neves, o partido passou a receber um contingente maior de textos negativos. Se antes a média era de 19 por mês, depois do vazamento, ela passou para 51, isto é, 2,5 vezes mais intensa. Se houvesse um paralelismo estrito entre cobertura midiática e opinião pública, veríamos certamente um decréscimo forte na popularidade do PT, inclusive relativa à do PSDB. Não é, contudo, o que revelam as pesquisas de preferência partidária.

Fonte: Ibope


Os níveis de preferência dos dois partidos somente se aproximam em junho de 2015, quando Dilma enfrentava já intensa campanha por sua remoção do poder, com grande alarido na imprensa. O PT ainda perderia mais popularidade ao longo de 2016, provavelmente produto do desgaste do processo de impeachment e da massacrante cobertura mostrada acima. Mas aí a aprovação do PSDB já estava em declínio e veio se acomodar na faixa dos 3%, enquanto o PT voltou a subir nos anos seguintes retornando a sua marca história de 24% em 2018. Como decifrar esse enigma?


O cenário adquire inteligibilidade se levamos em consideração a constituição do PT, a partir dos sindicatos e dos movimentos sociais, dando nascimento àquilo que Duverger chamou de “partido de massa”. Sua origem por fora do establishment é, ao mesmo tempo, sua vulnerabilidade e fonte de resiliência. A vulnerabilidade é produto da dificuldade de ser absorvido pelas forças que controlam os recursos societais de poder. Já a resiliência advém do fato de, em uma sociedade muito desigual, sua agenda de políticas atender as expectativas de vastas camadas da população por inserção econômica e empoderamento. O PSDB, por seu turno, é um caso clássico de “partido de quadros”, nascido no parlamento e no seio das elites que comandaram o processo de transição. Por essa razão, encontra dificuldades importantes para se diferenciar do restante da classe dirigente tradicional no país – tida e havida como corrupta.


Pois bem, tanto os quadros do PT quanto os do PSDB, como boa parte da classe política, foram lançados na vala comum das denúncias de corrupção. Mas o dano feito à imagem de cada partido é muito diferente. O partido de massas tem recursos e estruturas para-partidárias que permitem a ele resistir, enquanto que o partido de quadros, quando esses quadros são alvejados diretamente, tende à desagregação. Ademais, como dissemos, o partido de massas cultiva uma identificação com os anseios populares dificilmente igualado pelos partidos de quadros.


Muitas análises usam as características pessoais dos candidatos para tentar explicar a dinâmica eleitoral. Segundo esse tipo de raciocínio, Alckmin estaria fracassando por ser um picolé de chuchu, insosso, cara de paulista, de médico, ou seja, incapaz de encarnar a energia suficiente para lutar por votos Brasil afora. O sucesso relativo do PT também é creditado cada vez mais à persona de Luiz Inácio Lula da Silva: imagem de homem comum, retirante nordestino, retórica popular e inegável carisma. Sem negar totalmente a importância das características pessoais dos candidatos, é preciso ir além e examinar a natureza dos partidos para entendermos porque Geraldo Alckmin, que em 2006 obteve quase 42% dos votos válidos no primeiro turno da eleição, agora não consegue quebrar a barreira do dígito único das intenções de voto, e porque o PT, a despeito do inferno astral pelo qual passou ao longo dos últimos anos, ressurge com força.

[1] O gráfico representa todos os textos jornalísticos publicados nas capas e páginas de opinião dos jornais Folha de S. Paulo, Estado de S.Paulo, O Globo e todo conteúdo do Jornal Nacional, do início de 2014 aos dias de hoje.


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