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Bolsonaro e a democracia

Atualizado: 13 de set. de 2018

Carlos Ranulfo Melo

Ao que indicam as pesquisas mais recentes, Bolsonaro estará no segundo turno e conseguirá romper a polarização estabelecida desde 1994 entre PT e PSDB. Em tentativas anteriores, Ciro Gomes (1998 e 2002) e Marina Silva (2010 e 2014) tentaram fazê-lo adotando duas estratégias distintas.


No caso de Ciro, o objetivo era deslocar o PT (e Lula), substituindo-o como a referência de centro-esquerda, contrária ao programa de reformas de caráter neoliberal conduzido pelos governos do PSDB. Trata-se, diga-se de passagem, da mesma estratégia adotada agora e ameaçada pelo crescimento de Haddad nas pesquisas. Marina, por sua vez, tentou mudar o eixo programático em torno do qual vinha se desenvolvendo a disputa pela Presidência da República. Para tanto, se apresentava como uma alternativa à “velha política”, materializada, segundo seu discurso, na disputa entre petistas e tucanos.


Guardadas as devidas diferenças, Bolsonaro segue a estratégia adotada por Marina e tem conseguido mudar o foco do debate. Por um lado, retira do centro das atenções a discussão em torno da política econômica e do papel do estado na redução das desigualdades que marcam o país. Por outro, contrapõe, ao arranjo institucional proveniente da Constituição de 1988, a necessidade de um governo “forte”, de perfil marcadamente autoritário e determinado a atropelar direitos e garantias que lhe apareçam pela frente.


Em outro contexto, tal tentativa estaria fadada ao fracasso. O tosco discurso do candidato dificilmente prosperaria não fossem os desmedidos esforços de parcela do poder judiciário e da mídia tradicional em criminalizar a política e jogar na lata do lixo tudo o que a democracia brasileira acumulou nas últimas décadas. Bolsonaro é um dos produtos desejado por uns ainda que não por todos os que se envolveram na empreitada de “limpar” a política brasileira.


De todo modo, cabe dizer que o desempenho do candidato do PSL nas pesquisas mostra que estamos diante de algo mais profundo do que um fenômeno eleitoral. Assistimos à conformação do que pode vir a se constituir na base social para um movimento – não necessariamente um partido – de direita autoritária no país. Na sua versão mais extrema, presenciamos algo impensável a apenas alguns anos atrás: grupos de cidadãos clamando a céu aberto pela volta dos militares ao poder.


Eleitoralmente, esse processo se traduz no fato de que Bolsonaro está conseguindo, ao que parece de forma irreversível, retirar o antipetismo do guarda-chuva do PSDB e leva-lo para o seu campo. Nas eleições anteriores, o PSDB manteve o antipetismo nos limites de um enfrentamento sistêmico, ao enquadra-lo no discurso em prol de uma agenda de reformas que tinha como eixo a retomada de padrões ortodoxos de política econômica como condição para um crescimento sustentável. Neste percurso Aécio Neves constituiu uma exceção ao sustentar, na campanha de 2014, que o PT era a razão de todos os males brasileiros e, fechadas as urnas, ao declarar que havia sido derrotado por “uma organização criminosa”. Bolsonaro leva Aécio às últimas consequências ao propor a eliminação dos adversários e ao usar o antipetismo como uma arma para se arremeter contra a democracia.


Se existe algo sobre o qual não pode haver dúvida é que Bolsonaro, e seu vice, constituem uma ameaça à democracia. Em trabalho recente, Scott Mainwaring e Anibal Pérez-Liñan (Democracies and Dictatorships in Latin America, editado pela Cambridge University Press), mostram de forma convincente que a variável de maior impacto sobre a manutenção das democracias na América Latina é o grau de compromisso normativo com a democracia demonstrado pelos atores políticos mais influentes. E quanto a isso o presidenciável e seu colega de chapa já demonstraram de que lado estão: elogiam torturadores e enaltecem o legado da ditadura militar, defendem normas e procedimentos autoritários como modelo a seguir, tratam os oponentes como inimigos, desprezam minorias e ignoram direitos humanos.


O problema torna-se mais grave quando setores do mercado embarcam na mesma canoa. Confiantes na varinha mágica vendida no posto Ipiranga, aceitam o autoritarismo explícito em troca de uma solução econômica que lhes convenha. Com isso demonstram seu baixo compromisso com a democracia e sua disponibilidade para apoiar aventuras outras como, nos dizeres do vice Mourão, um “autogolpe”.

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