por Fabiano Santos (IESP/UERJ) e
Rafael Moura (IESP/UERJ)
Como temos visto nas análises deste Observatório, a democracia brasileira tem sofrido a atuação combinada de pelo menos quatro fontes importantes de tentativa de veto aos seus resultados, em termos do debate político, ou no que concerne à própria decisão eleitoral. O veto judicial, que se expressa através de decisões casuísticas, o veto da grande mídia, com sua cobertura lamentavelmente enviesada, o veto militar, com suas intervenções em tom de ameaça, eivadas de ignorância e preconceito e o veto econômico, manifesto nas atitudes dos donos de títulos da dívida pública, a especular com o valor da moeda nacional e o necessário equilíbrio aos ciclos de negócios. Tratemos deste último desafio.
Os meses que antecederam às eleições presidenciais brasileiras de 2014, as mais disputadas desde a redemocratização do país e vencidas pela então incumbente Dilma Rousseff contra o opositor Aécio Neves pela estreita diferença de 51,6 a 48,4%, foram marcados por fortes oscilações no mercado financeiro (mais exatamente na Bolsa de Valores) e na taxa de câmbio (valor do real ante o dólar), oscilações ritmadas pelas pesquisas que mapeavam o desempenho dos candidatos. Nas eleições deste ano de 2018, ainda mais agora nas semanas finais de primeiro turno onde os prognósticos também indicam uma segunda etapa disputada, tais oscilações vêm ocorrendo novamente.
No Brasil, principalmente a partir dos processos de integração e abertura financeiros promovidos no país ao longo das décadas de 1980 e 1990, o novo modus operandi de nossa economia trouxe consigo severas restrições e obstáculos – estruturais e institucionais – ao perfil de política econômica a ser adotado pelos governos eleitos democraticamente. Com a diminuição dos custos transacionais à livre mobilidade de fluxos, causada por várias desregulamentações institucionais no âmbito financeiro (sendo a de maior destaque a abertura da conta de capitais), somada ainda ao grau recente de nossa democracia, as eleições se tornaram pontos críticos para os investidores para influenciarem o direcionamento das políticas conforme suas preferências. Isto se dá em função do que Daniella Campello denomina “Confidence Game”: nesse novo cenário, pela “lógica hirschmaniana de saída”, os investidores e detentores de títulos ou capitais – agora livres para moverem suas aplicações e fundos para onde bem desejarem – detém maior poder de barganha ante os partidos de esquerda e de centro--esquerda ou ante os policymakers domésticos, utilizando seu poder de mercado para “disciplinarem” os governos nacionais.
Para resumir de maneira bem direta nosso ponto: investidores e atores no mercado financeiro reagiriam negativamente ao bom desempenho de candidatos não alinhados a agendas liberais ou pró-capital, e vice-versa. Ao moverem recursos dos mercados de crédito domésticos para alhures, geram fugas de capitais que desvalorizam as moedas nacionais (no caso o real), prejudicando o valor das exportações e, consequentemente, a própria arrecadação do Estado e sua margem fiscal para promover políticas públicas inclusivas e/ou redistributivas. Assim, ainda mais em países de condição periférica como o Brasil, geram instabilidades potencialmente disruptivas ou deletérias à própria performance econômica, acabando por compelir mesmo governos e forças políticas posicionadas mais à esquerda no espectro ideológico a uma convergência ao neoliberalismo ou à moderação de suas agendas originais. Pois bem, no que tange às eleições atuais de 2018, dois dos três candidatos mais competitivos, ainda que por distintas razões, são vistos como antípodas ou antagônicos à agenda preconizada pelo mercado financeiro: Ciro Gomes (Partido Democrático Trabalhista) e Fernando Haddad (Partido dos Trabalhadores). O ponto aqui não é afirmar que tais candidatos sejam “anti-mercado” ou “anti-capital” num sentido raso ou confrontativo, mas sim que possuem linhas programáticas não alinhadas plenamente à contemplação dos interesses dos investidores e destoantes das políticas idealizadas por esses atores para realização máxima de seus ganhos no curto prazo.
Abaixo, segue o mapeamento da trajetória da taxa de câmbio brasileira à luz de distintas pesquisas de opiniões eleitorais compiladas desde o final de agosto (mês em que se iniciou a campanha). Assim, podemos em parte corroborar empiricamente a maior volatilidade do capital e reações dos diversos atores a ele ligados ante o cenário político:
TABELA 1 – Índices dos Candidatos nas Pesquisas Eleitorais [1]
Fontes: Elaboração própria a partir de Ibope, Datafolha, BTG Pactual & Datapoder 360.
GRÁFICO 1 – Taxa de Câmbio no Brasil
Fontes: BANCO CENTRAL DO BRASIL.
A partir da tabela comparativa acima, vê-se que as pesquisas referentes aos dias 11/9 (Ibope), 17/9 (BTG) e 20/9 (Datafolha) foram as mais favoráveis ao candidato Jair Bolsonaro, mostrando ou crescimento robusto deste ou acima da média dos demais opositores. Não por acaso foram os pontos onde se registrou tendência mais veemente de queda no valor do dólar, sinalizando maior confiança dos investidores na vitória do candidato e no prosseguimento da agenda liberal de reformas. A primeira trajetória de queda percebida no gráfico, neste caso, diz respeito ao incidente onde o candidato foi esfaqueado em ato público de campanha em 6 de setembro, levando os atores do mercado financeiro a considerarem um cenário de maior radicalização e animosidade contra o campo ideológico opositor tendendo a beneficiar o próprio líder na corrida presidencial. Já as pesquisas dos dias 3/9 e 4/9, indicando crescimento de Ciro Gomes; e nos dias 10/9, 18/9 e 21/9, mostrando crescimento expressivo e vertiginoso de Fernando Haddad, refletiram em tendências claras de alta do dólar pelas possibilidades mais concretas de vitória do campo da esquerda e mitigação daquela mesma agenda.
É bem verdade que os últimos movimentos tanto das pesquisas, quanto do mercado revelam uma possível adaptação dos agentes financeiros a uma eventual derrota do candidato inicialmente preferido. Isto certamente se deve ao alto custo esperado de se manter apoio a uma candidatura rejeitada pelos circuitos formativos de opinião internacional, aos próprios desencontros no interior da campanha desta candidatura, revelando alta fragilidade no que se deseja no campo econômico e finalmente ao perfil moderado e responsável, do ponto de vista fiscal, do principal contendor pelo lado da esquerda atualmente, Fernando Haddad. De maneira surpreendente, diante do provável caos social a emergir de uma vitória da candidatura francamente fascista, os investidores demonstram possuir algum resquício de responsabilidade política, aquela que ainda falta a boa parte da mídia, do Judiciário e da caserna.
[1] Os valores entre parênteses indicam as porcentagens de crescimento obtidas por estes candidatos em relação às pesquisas anteriores dos mesmos institutos.
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