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Análise política, economia e valores: o paradoxo da eleição de 2018


Stevepb / Pixabay

por João Feres Júnior*


Na análise política eleitoral a economia tornou-se um lugar comum. Por mais que tenhamos um conhecimento impreciso de como a percepção do estado da economia e a memória dele em governos passados impacta a escolha do cidadão, inúmeros trabalhos detectaram o chamado voto econômico. Essa relação do eleitor com a economia não é um tipo de conhecimento técnico, obviamente, mas uma percepção das condições de vida de si próprio, das pessoas próximas e da sociedade em geral. É interessante notar também que quanto mais influência tem o fator econômico para os eleitores, maior é o alinhamento ideológico das intenções de voto ao longo da escala que vai da extrema esquerda à extrema direita.


Assumamos uma situação ideal em que o alinhamento ideológico do eleitorado ao eixo se dê de maneira perfeita, provavelmente com menos gente escolhendo as pontas mais radicais e a maioria se concentrando no espaço que vai da centro esquerda à centro direita. Esse é um contexto de informação perfeita, isto é, o eleitor tem acesso e compreende a posição do seu candidato em relação à economia e ao papel do Estado nela.


Se aplicarmos esse critério aos candidatos mais competitivos à presidência da república na atual campanha obtemos um quadro bastante simples. Sua imensa maioria é adepta de posturas bastante neoliberais, ou seja, de enxugamento do estado e de favorecimento do mercado e da iniciativa privada, não raro em prejuízo de políticas sociais como direitos trabalhistas e previdenciários. Vindo da extrema direita à centro direita, Jair Bolsonaro carrega o ultra neoliberal Paulo Guedes como um troféu, talvez imaginando que ele lhe sirva para angaria simpatias no “mercado”. João Amoêdo é outro libertário, isto é, defensor aguerrido do estado mínimo. Seguindo basicamente um receituário tucano, a despeito de ter trocado de partido, Álvaro Dias aposta em privatizações, flexibilização de leis trabalhistas, reforma da Previdência e até a necessidade de “porta de saída” para o Bolsa Família, programa do qual foi ferrenho opositor por anos. Marina Silva tem como principal assessor econômico o economista neoliberal Eduardo Giannetti, que vagamente -- bem no estilo de sua candidata -- promete ajustes duros para todos. Finalizando a lista, temos Geraldo Alckmin com o típico programa econômico do PSDB, reformas restritivas de direitos e privatizações de serviços e empresas públicas.


Ainda em nosso modelo ideal, o outro polo é ocupado por somente dois candidatos, Haddad (Lula) e Ciro Gomes. Ambos defendem versões similares de estado desenvolvimentista com inclusão social. Em suma, temos um farto número de candidatos com agenda econômica neoliberal contra dois desenvolvimentistas.

Se adicionarmos a nossa análise mais um grau de realidade, as condições de vitória eleitoral, o quadro se simplifica ainda mais. Salvo melhor julgamento, no polo neoliberal somente Bolsonaro e Alckmin são competitivos. Marina tem bastante recall, mas coligação fraca e pouquíssimo tempo de propaganda eleitoral gratuita. Suas chances são bastante reduzidas. No outro polo, Ciro parece que vai encontrar enormes dificuldades de crescer nas preferências, por problemas em tudo similares aos de Marina.


No final das contas, temos uma eleição com três candidatos com alta viabilidade pelo menos no primeiro turno: Haddad, Alckmin e Bolsonaro. Se as posições econômicas dos candidatos fossem transparentes ao eleitorado, teríamos Alckmin e Bolsonaro competindo no mesmo campo enquanto Haddad sobraria sozinho perante o eleitorado que tem preferência por sua posição desenvolvimentista.

Dando mais um passo em direção à realidade, devemos levar em conta assuntos não econômicos e seus efeitos na eleição, pois eles inserem outras dimensões na escolha do voto e complicam a análise.


Tomemos o tema da corrupção e seus efeitos cognitivos. Ele tende a distorcer a compreensão da política como um todo e também a percepção que os eleitores têm do posicionamento dos candidatos em relação à política econômica. Quando o tema da corrupção domina o cálculo político, eleitores tendem a rejeitar o sistema político in toto ou optar por outsiders. Bolsonaro é um caso clássico de candidato que explora à exaustão a figura do outsider, a despeito de suas 6 legislaturas. Sua ligação umbilical com Paulo Guedes tem claramente a função de fazer um afago no andar de cima. Em suas aparições o ex-militar raramente se jacta das propostas de enxugamento radical do Estado de seu assessor econômico, preferindo afirmar sua suposta honestidade e a pretensão de compor um gabinete sem indicações políticas de outros partidos.

Marina Silva é outra que desde 2014 faz um discurso fortemente antipolítico, se propondo a governar com os bons, os honestos, a despeito do partido ao qual pertençam. Também não é dada a discutir policy, preferindo se sair de perguntas dessa natureza com afirmações vagas de princípio ou com a já conhecida fórmula “vou chamar um plebiscito para decidir isso”.


Aos candidatos outsiders, que exploram valores, interessa evitar a adesão cognitiva do eleitorado ao eixo ideológico-econômico. Já aos candidatos insiders, Haddad e Alckmin, interessa diminuir ao máximo o efeito da distorção cognitiva produzida pelo debate acerca de valores -- com destaque para a díade corrupção-honestidade. Alckmin talvez dependa mais disso do que Haddad, pois para ir ao segundo turno precisa desinflar a bolha eleitoral de Bolsonaro, sustentada pelo ar quente do discurso da honestidade e das bravatas das intolerâncias de vários matizes. A Haddad também interessa a desinflação do debate sobre valores, pois sabemos que a sólida liderança de Lula nas preferências eleitorais não se deve somente a seu irresistível carisma, como imaginam alguns, mas à memória dos bons tempos em que o ex-metalúrgico esteve à frente da Presidência.


A questão que se coloca, portanto, para esse mês que nos separa do primeiro turno é: o que acontecerá com o debate sobre os valores? É nessa resposta que entra o fator da mídia. Nossa grande imprensa esteve por anos a fio investida no discurso de redução da política à questão da corrupção, atacando os poderes eleitos e tecendo loas aos membros do Judiciário e do Ministério Público dispostos a interferir no processo político. Ela é a maior fiadora do debate de valores. Ora, parafraseando um famoso político gaúcho: Bolsonaro é um filhote do PIG. Ele só angaria tanta popularidade porque o massacre da cobertura da política sob a ótica da corrupção, inclusive com fortíssimos tons misopetistas, foi praticado intensamente pela mídia desde 2006, quando da eclosão do Mensalão.


Não importa que Bolsonaro receba cobertura intensamente negativa da grande imprensa, como mostra o Manchetômetro e sua nova página das eleições. Seus veículos já lhe prestaram um grande serviço e agora ele sobrevive nas redes sociais.

Até agora, a grande imprensa não mostrou preferências fortes por nenhum candidato, mas se as entrevistas do Jornal Nacional podem ser tomadas como índice de orientação editorial do Grupo Globo, o tema da corrupção vai continuar fortíssimo até o final da campanha. Se isso for verdade, Bolsonaro se beneficiará pela mídia manter acesa o debate sobre valores. Ele aposta claramente em fidelizar aqueles que lhe declaram intenção de voto, e para isso não poupa arroubos fascistas, como esse último de ameaçar “fuzilar petistas” no Acre.


Ao final temos uma situação bastante paradoxal, como o leitor que me acompanhou até aqui deve estar percebendo. A grande mídia brasileira tem um histórico de apoiar por meio da manipulação do noticiário as forças de centro direita em períodos eleitorais, mormente os candidatos do PSDB. Ela de fato mostra aversão a Bolsonaro até agora. Contudo, para auxiliar Alckmin seria preciso desinflar a bolha dos valores de Bolsonaro, cujo principal elemento é o discurso da política como corrupção. Como fazer isso sem desistir da bandeira que tem sido a principal estratégia de reposicionamento político dessas empresas nos últimos tempos?


Se os senhores da mídia mantêm o foco na corrupção, promovem Bolsonaro; se abrem mão dele para auxiliar Alckmin, estarão sacrificando sua própria legitimidade, já bastante combalida. Minha aposta é na manutenção do foco na corrupção. O futuro em breve dirá.


* Professor de Ciência Política do Instituto de Estudos Sociais e Políticos (IESP)/UERJ. subcoordenador do INCT - Instituto da Democracia e da Democratização da Comunicação

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