Sérgio Simoni Jr*
O episódio já é conhecido, assim como algumas de suas consequências. Menos de uma semana após a divulgação pelo TSE de que Dilma Rousseff (PT) havia sido reeleita presidente da república em 2014, o PSDB entrou com pedido no tribunal eleitoral para realização de auditoria no sistema de votação. Para além do embasamento técnico do pedido e a das reais intenções de seus autores, esse movimento é uma expressão particular de um fenômeno que vem ganhando força no Brasil nos últimos anos: a desconfiança com relação à apuração dos votos.
Desde 2000, o processo de votação em todo o Brasil ocorre por meio de urnas eletrônicas. Esse mecanismo de votação aumentou fortemente a velocidade da apuração, diminuiu drasticamente o número de votos inválidos, dentre outros efeitos. No entanto, não faltam movimentos políticos e atores que levantam dúvidas, quando não negam, a lisura dos resultados oficiais.
O pilar central da democracia é o respeito ao resultado oriundo de eleições competitivas. Em que medida a desconfiança da apuração de votos está espraiada na opinião pública? Existem determinados perfis sociais mais propensos a adotar tal opinião? Como variáveis atitudinais se relacionam com essa desconfiança específica na contagem de votos?
Para responder a essas perguntas, vamos utilizar o survey “A Cara da Democracia”, realizado pelo Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia (INCT) “Democracia e Democratização da Comunicação”. Foram realizadas 2500 entrevistas em todos os estados do Brasil. O campo foi realizado entre 15 e 23 de março de 2018.
Dentre outras questões, a pesquisa perguntou aos eleitores brasileiros: “O(a) Sr.(a) confia que a contagem de votos nas eleições no Brasil é feita de maneira honesta?”. O gráfico abaixo apresenta a distribuição de respostas:
Os resultados da pesquisa apontam para um cenário pessimista: a maioria dos eleitores afirma não confiar que a apuração de votos seja realizada de forma honesta. Apenas 10% diz que confia muito na honestidade da apuração dos votos.
Essa opinião varia por características sociais? Variáveis atitudinais teriam relação com a desconfiança na apuração eleitoral? Para avançar nesses pontos, e de modo a não complicar a análise, transformei as respostas expostas no Gráfico 1 acima em dicotômicas: não confia, de um lado, e confia um pouco, mais ou menos e muito, de outro (excluindo, portanto, a resposta “não sabe”). Dessa forma, lanço mão de um modelo logístico multivariado, que busca encontrar determinantes da ausência de confiança na apuração dos votos. Incluo duas ordens de variáveis independentes: de um lado, as medidas sociodemográficas: escolaridade, sexo, região de moradia e idade[1]; e outro, duas medidas de opinião política: preferência pela democracia[2] e interesse por política[3].
O gráfico abaixo sintetiza os resultados, expondo as razões de chance de cada variável, bem como seus respectivos intervalos de confiança (a 95%):
Os resultados sobre as variáveis atitudinais revelam que eleitores brasileiros que preferem a democracia à ditadura tendem a não desconfiar da apuração de votos no Brasil. O interesse por política também está negativamente correlacionado com essa opinião, mas o coeficiente é significativo apenas a 0,10. As dimensões demográficas, por sua vez, tendem a não ter significância. Ou seja, não existem diferenças sistemáticas de escolaridade, sexo e idade sobre desconfiança da apuração dos votos. Apenas região de moradia se mostrou uma variável importante: habitantes do Norte e do Sul tendem a desconfiar menos que do Sudeste, a categoria de referência. Já os do Nordeste, inversamente, tendem a desconfiar mais.
Dessa forma, parece ter-se indícios que a posição de desconfiança na apuração dos votos perpassa vários grupos sociais. No entanto, aqueles que defendem que “a democracia é preferível a qualquer outra forma de governo” marcadamente depositam confiança na honestidade dos resultados eleitorais no Brasil.
Cabe ressaltar que a redação da pergunta e a natureza dos dados não permitem dizer se essas opiniões se devem ao mecanismo da urna eletrônica em particular, mas jogam luz sobre um fenômeno importante das percepções políticas da cidadania brasileira.
*Doutor em Ciência Política pela USP e pesquisador do Cesop/Unicamp.
[1] As categorias de referência são primário incompleto, homem e Sudeste. Idade é medida de forma contínua.
[2] Preferência por democracia medida como concordância com a posição “A democracia é preferível a qualquer outra forma de governo”. A categoria de referência é composta por pessoas que responderam que “Tanto faz um regime democrático ou um não democrático”, “Em algumas circunstâncias, uma ditadura pode ser preferível a um governo democrático” e “não sabe”. “Não respondeu” foi excluído.
[3] Interesse por política foi medido da seguinte forma: eleitores que dizem que são “muito interessados” ou “interessados” foram considerados interessados. Os pouco ou nada interessados em política são a categoria de referência. “Não sabe” e “não respondeu” foram excluídos.
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