O Poder Judiciário nas Eleições de 2018: “no meio do caminho tinha uma pedra"¹
Atualizado: 11 de ago. de 2018
Por Marjorie Corrêa Marona
O judiciário brasileiro é, hoje, o maior fator de instabilidade das eleições de 2018; representa mesmo um empecilho para a retomada da normalidade democrática do país, que passa pela realização das eleições que se avizinham.
Isso acontece porque, em primeiro lugar, e de modo mais difuso, a estratégia de criminalização do combate à corrupção avançou em direção à criminalização da própria atividade política, desgastando o sistema político de um modo geral e abrindo espaços para discursos e práticas abertamente fascistas. Como já observei em outro texto, o judiciário, na relação que estabeleceu com setores conservadores da sociedade, se alimenta da erosão do regime democrático, no Brasil. Atrelado a isso – e de modo mais específico – deve-se referir que o judiciário dá as cartas no processo eleitoral na medida em que a Lei da Ficha Limpa instituiu um dispositivo de inelegibilidade que permitiu associar aquela estratégia de combate à corrupção ao resultado das eleições, de um modo mais direto. A distorção mais evidente dessa associação se revela na persistência da intenção de votos do ex-presidente Lula, - relevada sistematicamente por pesquisas eleitorais – que gira na casa dos 30% (trinta por cento). Como todos sabem Lula está preso em Curitiba faz mais de 100 dias, por obra do juiz da Lava-Jato, Sérgio Moro.
É verdade que a lei da Ficha Limpa (LC 135) é de 2010 e, portanto, não é a primeira vez que se estabelece a tensão entre a justiça eleitoral e a manifestação da soberania; em diversas ocasiões, antes, a Justiça Eleitoral havia impugnado candidaturas em razão da condenação em segunda instância por atos de corrupção, mesmo dentre favoritos e até eleitos. À diferença do que acontece hoje com a candidatura do ex-presidente Lula, entretanto; não apenas porque concorre ele ao cargo de presidente da República ou pela dimensão política de sua figura – embora sejam elementos importantes a serem considerados – mas porque Lula está preso, colocando em evidência questões jurídicas e políticas em torno da realização de todos os atos de campanha até que julgamento final acerca do registro de sua candidatura aconteça, e, ainda, porque a reforma eleitoral coloca em risco o trabalho da justiça eleitoral.
Apesar do esforço institucional do TSE, portanto, em afirmar a justiça eleitoral como “a justiça da democracia”, fica difícil afastar a realidade normativa, que aponta para a concentração da governança eleitoral — conceito que engloba a organização e fiscalização das eleições — no Poder Judiciário. Para que se tenha uma ideia o TSE aprovou dez resoluções sobre as regras das Eleições Gerais de 2018, tratando dos seguintes temas: calendário eleitoral, atos preparatórios, auditoria e fiscalização, cronograma operacional do cadastro eleitoral, pesquisas eleitorais, escolha e registro de candidatos, propaganda eleitoral, uso e geração do horário gratuito e condutas ilícitas em campanha eleitoral; representações, reclamações e pedidos de direito de resposta; arrecadação e gastos de recursos por partidos políticos e candidatos e prestação de contas; e modelos de lacres de segurança para urnas e envelopes.
As resoluções aprovadas pelo TSE regulamentam as regras da legislação em vigor e servem de balizas que os candidatos devem respeitar para não incorrerem em sanções de ordem eleitoral.
Também não se sustenta a imagem de “justiça da democracia” quando se atenta para os efeitos concretos da atuação da Justiça Eleitoral nos últimos anos. Para que se tenha uma ideia, em 2014, nas últimas eleições gerais, cerca de 800 candidatos em todo o país não tinham a sua candidatura confirmada pela Justiça Eleitoral. Como resultado, inúmeros deles receberam votos, enquanto pendia de recurso a decisão sobre sua elegibilidade, muitos deles vindo a ser eleitos para, posteriormente, descartar-se todos aqueles votos. É que a lei garante aos candidatos o direito de continuar na disputa (realizar todos os atos de campanha) até que todos os recursos acabem (art. 16A da Lei das Eleições). Esse seria o caso do ex-presidente Lula. Contudo, a prisão de Lula e a mudança na legislação eleitoral tornam as coisas mais complexas, como observado.
A recente batalha que se travou entre o desembargador do TRF4, Rogério Favreto, alguns de seus colegas de tribunal, e o juiz Sérgio Moro pode ser interpretada a partir desse cenário complexo que gira em torno da garantia legal da realização dos atos de campanha versus a impossibilidade material estabelecida pela prisão de Lula, já que a sua soltura poderia servir como uma janela de oportunidade para que fosse produzido material de campanha, posteriormente veiculado.
Por outro lado, a alteração feita pela Lei 13.165/15, que reduz o período de campanha, com o retardamento de seu início em mais de 40 dias (agora os registros devem ser feitos até 15/08, mas até 2016, eram feitos até 05/07), impacta a atuação da Justiça Eleitoral, colocando em risco a observância do devido processo legal. O que acontece é que entre 15/08 e 17/09 (data limite para registro da candidatura e substituição das candidaturas pelos partidos, respectivamente) a Justiça Eleitoral precisa analisar e julgar os eventuais pedidos de impugnação, mas os prazos processuais não se acomodam no período: desde o registro, são 48h para a publicação de editais com as requisições dos candidatos, seguidas de 5 dias para as impugnações, 7 dias para a defesa daquelas impugnações, mais 4 dias para produção de provas e mais 4 dias para diligências, e, ainda, mais 5 dias para apresentação de alegações finais. Só aí o processo é liberado para julgamento. E há que se considerar os prazos recursais, antes que se possa ter segurança acerca da decisão sobre a robustez jurídica da candidatura de alguém.
E não se pense que a construção da inelegibilidade é tarefa simples, particularmente em face do que determina a alínea e, inciso I do artigo 1º da Lei das Eleições. É só na observância do devido processo legal que se pode afirmar que foi exaurido o exame acerca da elegibilidade. O caso da candidatura de Lula, mais uma vez, oferece um bom exemplo: um dos argumentos da defesa de Lula diz respeito à falta de proporção na aplicação da pena pelo TRF4, supostamente ampliada para evitar a prescrição dos atos que geraram a sua condenação. Eventual acolhimento do argumento, pelos tribunais superiores, reduzindo a sua pena poderia impactar na prescrição da pretensão punitiva do estado. Isso significa que, mesmo reconhecendo-se que Lula praticou os atos a ele imputados, o tempo transcorrido impediria o estado de condená-lo, fazendo desaparecer o empecilho à sua plena elegibilidade.
A Justiça Eleitoral pode ser inserida, portanto, na lógica de organização de toda uma rede de controle que se estabeleceu e se reforçou no Brasil desde 2003; assim como outras instituições judiciais e quase-judiciais não está livre das críticas sobre eventuais desvios na sua atuação. E nesse caso talvez a questão se torne ainda mais dramática, pois os efeitos de sua atuação sobre o sistema político são imediatos nos casos em que ela reforça os “fatores irrelevantes” (Sánchez Munõz, 2007) que deveria neutralizar na competição eleitoral.
¹ Referência ao poema No Meio do Caminho de Carlos Drummond de Andrade (1930).
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