Leonardo Assis, Marjorie Marona
Nos últimos anos, tornou-se comum ver os rumos da política nacional serem decididos pelo Poder Judiciário, nos mais diversos níveis: desde a intervenção cotidiana na saúde, que a judicialização do fornecimento de medicamentos gerou, passando pela legitimação do sistema de quotas raciais nas Universidades, até a redefinição das regras da própria disputa eleitoral. Particularmente, o desenvolvimento de uma nova institucionalidade de combate a corrupção que tem na Operação Lava-Jato um importante ponto de inflexão colou, definitivamente, as instituições judiciais e judiciárias na vitrine. A popularidade da Lava Jato foi midiaticamente construída pela exploração das condenações criminais de grandes empresários e e conhecidos dirigentes partidários. Os atores diretamente envolvidos instrumentalizaram o discurso da independência institucional para ampliar as vantagens e afirmar as respectivas carreiras.
Por outro lado, na justiça cotidiana, mais próxima ao cidadão, as reclamações mantêm-se as mesmas há muito tempo. A justiça é lenta, excessivamente burocrática, ineficiente e custa muito aos cofres públicos. Seus membros recebem vários auxílios, alguns deles considerados abusivos, como o auxílio-moradia, inclusive para aqueles que possuem casa própria na cidade onde trabalham.
Para somar tantos auxílios, o Poder Judiciário utiliza-se de malabarismos administrativos, o que permite a juízes e desembargadores receber mais do que o estabelecido pelo texto constitucional. Soma-se a isso a antiga constatação de que, no Brasil, a Justiça funciona mais para alguns do que para outros.
No cenário atual, em que o Judiciário está mais visível na esfera pública e vem recebendo elogios e críticas, é fundamental que os candidatos à Presidência se posicionem em relação ao assunto e tragam propostas para serem discutidas. O eleitor deve saber, por exemplo, se seu candidato propõe uma maior independência dos juízes e promotores, e um tratamento mais duro aos políticos, tentando combater a corrupção, ou se propõe medidas para reequilibrar os poderes, a fim de deixar as decisões mais importantes do país nas mãos de quem foi eleito democraticamente.
Apesar de não receber tanta atenção quanto a economia ou a segurança pública, o tema foi levantado em diferentes momentos da campanha presidencial de 2018, e os principais candidatos apresentaram propostas bem diferentes, algumas das quais foram, ademais, formalmente, incluídas nos respectivos programas.
Para Fernando Haddad, do PT, é fundamental combater os “privilégios” da classe jurídica, tais como as férias de 60 dias e o auxílio-moradia indiscriminado. Para as carreiras auxiliares o plano de Haddad propõe maior valorização e qualificação. O petista propõe, ainda, mecanismos para pluralizar o quadro de servidores da Justiça, aumentando a quantidade de mulheres, negros e outros setores sociais vítimas de desigualdades históricas.
As propostas de profissionalização da gestão do Poder Judiciário e eficiência aparecem vinculadas à preocupação com o acesso à justiça, no plano de Haddad. O Judiciário, para o petista, precisa também ser mais democrático. Nesse sentido, propõe aumentar a participação da sociedade civil organizada no processo de escolha dos ministros do STF e no controle feito pelo Conselho Nacional de Justiça, além de criar uma ouvidoria composta por pessoas de fora do Poder Judiciário. Se bem implementada, a proposta de democratização é particularmente interessante porque amplia os mecanismos de controle social sobre o Poder Judiciário, ao mesmo tempo que resguarda sua independencia em relação aos outros poderes da República. No caso de uma vitória petista, contudo, essa mesma independência pode ser reivindicada por grupos contrários à ingerência do presidente na administração do Judiciário. Falta a Haddad explicar como pretende enfrentar essa oposição. É inegável, porém, que o candidato tem um plano complexo e articulado, que tenta resolver gargalos históricos da Justiça no Brasil, aproximá-la dos cidadãos e, ainda, corrigir o que considera ser um desequilíbrio entre os poderes.
Por sua vez, o candidato Jair Bolsonaro se pronunciou menos em relação ao tema. Seu plano de governo toca no assunto apenas em dois momentos. Em um deles, o candidato do PSL afirma que, se for eleito, “a Justiça seguirá seus rumos sem interferências”, o que parece ser contraditório em relação à sua declaração, dada no início da campanha, de que aumentaria o número de ministros do STF, passando de 11 para 21 - uma manobra para garantir uma maioria governista na Suprema Corte. A medida, comum em governos autoritários, é a mesma adotada pelos militares em 1965 e também pelo tão-criticado Hugo Chávez, que aumentou o número de ministros da Suprema Corte venezuelana em 2004. Diante da repercussão negativa, Bolsonaro recuou e retirou a proposta. Apesar disso, a preocupação com as indicações para o STF não desapareceu (o próximo presidente indicará pelo menos dois, com a aposentadoria compulsória de Celso de Mello e Marco Aurélio).
Bolsonaro lamenta a laicidade dos atuais ministros e defende que, em um país composto majoritariamente por cristãos, os próximos indicados devem ser pessoas que tomam suas decisões de acordo com a religião. Além de apresentar uma proposta contrária aos princípios da Constituição, o candidato parece desconhecer os motivos pelos quais uma pessoa merece ou não ocupar uma cadeira na Corte. Ao longo da campanha, Bolsonaro mostrou que quer aliados não só no STF, mas também no Ministério Público: ao contrário de Fernando Haddad, Bolsonaro afirmou que não acatará a lista tríplice do MP se os indicados não estiverem ideologicamente alinhados ao Presidente.
O plano de governo de Bolsonaro volta a tratar do Poder Judiciário somente quando afirma apoiar as “Dez medidas contra a corrupção”, projeto de lei criado pelo Ministério Público Federal que, na verdade, trata muito mais de endurecer as leis de improbidade administrativa do que da estrutura do Poder Judiciário[1]. Em resumo, Bolsonaro abriu mão de sua única proposta de reforma do Judiciário (o aumento de ministros) e declarou apoio a uma outra proposta já existente. Em outras palavras, sua candidatura não acrescenta nada ao debate que já existe sobre o assunto.
Para Bolsonaro, os problemas da Justiça atualmente se devem mais ao comportamento de alguns de seus membros do que à forma como o Poder Judiciário está organizado. O PGR, alinhado ao Presidente, pode se eximir de controlar o Poder Executivo, assim como os ministros do STF indicados no período. O difícil é entender como esse comportamento ajuda no combate à corrupção tão defendido pelo candidato e por seus apoiadores.
[1] Somente a 5ª medida, que propõe priorizar e agilizar os processos de improbidade administrativa, trata especificamente do funcionamento da Justiça.
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