por Pedro Abelin [1] , Alexandre Arns [2] e Igor Brandão [3].
As mudanças nas regras eleitorais transformaram as plataformas digitais em ferramentas especialmente importantes para as candidaturas a mandatos eletivos nestas eleições. A possibilidade de pagar para "impulsionar" anúncios políticos no âmbito do Facebook, somada à limitação do financiamento de campanhas publicitárias em outras mídias, como na TV e no rádio, introduz grande incerteza sobre o alcance de sua influência nos resultados eleitorais. Além disso, o impulsionamento de anúncios políticos é uma ótima oportunidade de lucros e sustentabilidade para o modelo de negócio da plataforma.
Nesse novo contexto, candidatas e candidatos tendem a utilizar o Facebook mais intensamente do que nas eleições anteriores. Afinal, ao contrário dos anúncios veiculados na televisão e no rádio, cujos diferentes perfis de audiência são identificados conforme horários específicos de programações, a veiculação de anúncios nas plataformas de mídias sociais na internet conta com a possibilidade de segmentar as audiências em perfis específicos, focando em atributos como faixa etária, gênero, localidade e uma gama de preferências, independentemente do horário em que acessam a plataforma. Dessa maneira, a combinação de uma melhor segmentação de perfis com mais precisão no direcionamento de conteúdo para eles potencializa o alcance da propaganda política dirigida por algoritmos via Facebook. Convém destacar, ainda, que o uso abusivo de dados pessoais para a veiculação de anúncios focalizados tem sido uma das grandes polêmicas no mundo envolvendo o Facebook. A corrida eleitoral que conduziu Donald Trump à presidência dos Estados Unidos e o plebiscito que levou a população britânica a apoiar a saída do Reino Unido da União Europeia - o denominado “Brexit” - são exemplos de situações concretas de questionamento do poder destas plataformas sobre as dinâmicas de votação. Desde então, há um conjunto de iniciativas na comunidade internacional para desenvolver ferramentas de transparência e controle que permitam regular sua influência sobre as democracias contemporâneas [4]. Essa busca por transparência e, a princípio, também por dar controle aos cidadãos brasileiros sobre o processo eleitoral, se insere num contexto em que, não apenas o Facebook, mas o conjunto de “megaplataformas” de mídias na internet - Facebook, Twitter, Google, etc - estão buscando incidir no debate acerca da questão se “as mídias sociais são boas ou ruins para a democracia?” [5]. Entretanto, como adequadamente pondera Kate Crawford (2017), o problema central do papel destas empresas nas democracias contemporâneas não consiste em mensurar a extensão de seu poder sobre as manifestações de soberania popular mas se, por fazer crer que elas possuem esse poder, contribuem para esvaziar princípios e ideias importantes para os fundamentos da democracia.
O Facebook, nos últimos meses, tem se engajado em uma estratégia para "proteger as eleições" brasileiras. Iniciativas variadas têm sido tomadas no sentido de mitigar a desinformação patrocinada e aumentar a transparência dos anúncios veiculados pela plataforma durante o período eleitoral. Em maio, a plataforma estabeleceu parcerias com três agências verificadoras independentes - Aos Fatos, Agência Lupa e Agence France Presse (AFP) - para analisar a veracidade de notícias denunciadas como falsas pelos usuários. Todas elas certificadas pela International Fact-Checking Network, uma rede apartidária de checagem de notícias que envolve entidades em diferentes países do mundo. As agências têm classificado, desde então, os anúncios denunciados por usuários da plataforma em oito categorias: falso; misto; verdadeiro; sátira; opinião; não elegível; gerador de pegadinhas; e não classificado [6].
A ideia é reduzir de forma significativa a distribuição orgânica (não paga) de conteúdo classificado como falso. A partir disso, a plataforma limita tanto o alcance de tais anúncios no feed de notícias das pessoas como a ação de páginas que compartilham repetidamente tais notícias. Recentemente, a empresa removeu 196 páginas e 87 perfis como resultado de uma extensa investigação. Embora o Facebook não tenha explicado a metodologia da investigação, ela resultou na desarticulação de uma rede de contas falsas que escondia dos usuários tanto a natureza como a origem do conteúdo que propagavam. Essa ação coordenada, segundo a plataforma, operava para gerar divisão por meio da desinformação [7].
No início de julho, a plataforma firmou compromisso junto ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE), por meio de um "memorando de entendimento", para combater a desinformação. Essa iniciativa se soma a outras ações no sentido de fomentar a educação digital para a promoção de um jornalismo de melhor qualidade. São exemplos de projetos nessa direção: "Vaza, Falsiane"; "Fátima"; "Lupe"; e "Comprova" [8]. Outra iniciativa da plataforma vai no sentido de promover o "engajamento cívico" dos eleitores por meio de ferramentas, como: a aba "temas", para que as pessoas conheçam mais a visão de páginas políticas e políticos sobre educação, economia, emprego e segurança; e o "registro de eleitores", que lembrou os usuários em seus feed de notícias sobre o prazo para seu registro ainda em maio. O Facebook promete ainda disponibilizar três outras ferramentas a seus usuários até as eleições: o "Town Hall", para permitir que pessoas localizem, sigam e contatem seus representantes; o "InformedVoter Button", que redirecionará as pessoas para páginas de autoridades eleitorais com informações úteis; e o "Megafone", que propagará lembrete sobre o voto no feed de notícias das pessoas no dia das eleições, incluindo também informações sobre locais de votação.
Mais recentemente, o Facebook lançou uma biblioteca virtual de anúncios para compilar o material impulsionado por candidatos e partidos durante o período eleitoral. A iniciativa segue a regulamentação do calendário eleitoral, que autoriza a veiculação de anúncios e publicidade paga pelas campanhas de candidatos e partidos a partir do último dia 16 de agosto, e já conta com reportagens, por parte de alguns veículos de comunicação [9], avaliando os usos dos anúncios na plataforma de mídia social por parte das candidaturas.
A Biblioteca de Anúncios [10] “permite visualizar e pesquisar anúncios relacionados a política ou a temas de importância nacional que foram veiculados no Facebook ou no Instagram” [11] . Desde a sua ativação - 16 de agosto - até o momento de fechamento deste texto, dia 12 de setembro de 2018 a Biblioteca contava com, aproximadamente 3.800 anúncios eleitorais vinculados a busca do termo “presidente”(s). As informações sobre os anúncios políticos disponíveis na ferramenta são as seguintes: (i) está ativo ou inativo, no sentido de se ele continua sendo anunciado para as contas dos usuários da plataforma; (ii) a duração da atividade do anúncio e quando foi lançado na plataforma; (iii) quantas visualizações ele teve, que na terminologia da própria plataforma é definida como “impressões”; (iv) uma estimativa de valor investido no anúncio a partir da disponibilização, em cada anúncio, de uma “faixa de valor gasto no anúncio [12] ”, isto é, um valor mínimo e um valor máximo; (v) informações a respeito do público para o qual está direcionada a publicidade, como a faixa etária e o gênero - apresentada com três definições: “homem”, “mulher” e “desconhecido”; (vi) e, por fim, a localização do público que visualiza o anúncio (ver Figura 1).
Figura 1 – Tela que mostra anúncios do Facebook na página da Biblioteca
Fonte: Captura de tela pelos autores [13]
A Biblioteca captura todos os anúncios oficiais das candidaturas na plataforma do Facebook. No entanto, como o acesso a sua API não é aberto ao público - e nossos pedidos para acessá-la não foram respondidos -, é possível questionar a integralidade e a própria integridade dos dados ali disponíveis. Essa opacidade, aliás, soa contraditória com a intenção declarada pela nova política de transparência do Facebook para "proteger as eleições" brasileiras.
Uma breve exploração da ferramenta permite uma aproximação sobre como cada candidatura está utilizando o serviço de anúncios patrocinados na plataforma de mídia social (ver gráfico 1). Por exemplo, quando realizamos uma busca pelo termo “Lula”, são apresentados cerca de 880 anúncios pagos, entre ativos e inativos. A grande maioria deles é vinculada a candidaturas proporcionais do Partido dos Trabalhadores (PT), isto é, a concorrência para cargos no legislativo nacional - Câmara Federal e Senado - ou legislativo regional - Assembleia Legislativas dos estados ou Câmara Legislativa do Distrito Federal. Quando buscamos o termo “Bolsonaro”, a Biblioteca disponibiliza cerca de 1.000 anúncios patrocinados. Assim como na busca anterior, os anúncios estão associados a candidaturas proporcionais apoiadoras do candidato Jair Bolsonaro à Presidência da República.
Quando buscamos o termo “Ciro Gomes”, são apresentados 400 anúncios, com predomínio de anúncios patrocinados pela conta oficial do candidato presidencial. Ao realizarmos a busca pelo termo “Marina Silva”, também são apresentados 61 anúncios, com expressivo patrocínio, além da conta oficial da candidata, de candidaturas proporcionais da Rede. Buscando o termo “Guilherme Boulos”, são disponibilizados 150 anúncios, entre patrocínio da candidatura oficial do presidenciável Guilherme Boulos e candidaturas proporcionais da mesma legenda. “João Amoêdo” é associado a aproximadamente 180 anúncios patrocinados. “Cabo Daciolo” está associado, somente, a 06 anúncios inativos. Com “Álvaro Dias”, são apresentados 64 anúncios patrocinados por candidaturas proporcionais da coligação do presidenciável e pela conta oficial do candidato. Por fim, “Henrique Meirelles” está associado a aproximadamente 1.400 anúncios patrocinados com uma esmagadora predominância de patrocínio realizado pela candidatura oficial do presidenciável.
O advento das tecnologias digitais e o consequente surgimento das plataformas de mídia social vêm contribuindo significativamente para a transformação dos repertórios de campanha eleitoral. Como já abordado, a possibilidade de que se faça uso abusivo de dados pessoais para promover campanhas políticas direcionadas pode ter alterado profundamente resultados eleitorais pelo mundo, gerando dúvidas na comunidade internacional e causando grandes constrangimentos para as plataformas de mídia social, sobretudo o Facebook.
A regulamentação do processo de impulsionamento de campanhas pode se constituir, contudo, em grande oportunidade para os candidatos tentarem desafiar a ampla hegemonia da Televisão - e o extenso desequilíbrio das campanhas de TV - e explorarem as múltiplas ferramentas típicas das plataformas de mídia social. Apesar dos limites existentes no contexto brasileiro, em que apenas 61% dos domicílios possuem acesso a internet [14] (CETIC, 2017), as campanhas nas mídias sociais têm ganhado capilaridade via smartphones [15]. O fato de candidatos “nanicos” como Guilherme Boulos, João Amoêdo e mesmo Jair Bolsonaro utilizarem este tipo de ferramenta é um exemplo de como novas possibilidades, vindas a reboque das tecnologias digitais, podem incidir no processo eleitoral.
Gráfico 1 – Anúncios Impulsionados
Fonte: Biblioteca de Anúncios do Facebook
Elaboração dos autores
Entretanto, os dados da campanha de Henrique Meirelles indicam que existe grande assimetria no impulsionamento de campanhas no Facebook. Esse predomínio quantitativo de anúncios patrocinados pela candidatura de Meirelles aponta que, ao mesmo tempo em que o impulsionamento de publicações pode significar novas possibilidades e repertórios para candidatos menores se colocarem na disputa eleitoral, também existe, novamente, o reforço da influência do poder econômico sobre o processo eleitoral. A reprodução dessas assimetrias no patrocínio a campanhas eleitorais abala, deste modo, o potencial da Internet como espaço de horizontalização das relações entre os atores. Ademais, é importante ressaltar que a desigualdade não opera apenas em nível material, mas também no âmbito da formação e domínio da linguagem digital. Assim, campanhas coordenadas por usuários considerados “nativos digitais” podem se beneficiar de tais competências para amplificar as desigualdades materiais já existentes entre candidaturas (DIMAGGIO et al., 2001; HARGITTAI, 2001; MORRIS; MORRIS, 2013).
A Biblioteca de Anúncios poderia ser uma excelente ferramenta para facilitar o controle social sobre a influência do poder econômico nestas eleições. Embora as informações disponibilizadas ali até o momento sejam úteis para a análise sobre como candidatos têm impulsionado seus anúncios políticos, uma postura mais ativa da plataforma colaboraria com a qualidade do conteúdo político veiculado nestas eleições. Enquanto nos Estados Unidos, atualmente, todos os anúncios são revisados antes de serem exibidos através de uma combinação de inteligência artificial (IA) e análise humana, quanto à conformidade de suas imagens, texto e posicionamento, tanto aos "padrões da comunidade e às políticas de publicidade" quanto ao escopo dos "anúncios relacionados a políticas ou questões políticas de importância nacional", no Brasil este procedimento não tem sido feito [16].
Nas últimas semanas, por exemplo, o dono da rede brasileira de lojas Havan pagou para impulsionar conteúdo político em apoio ao candidato Jair Bolsonaro, em desconformidade com a legislação eleitoral. Somente após alguns dias, e mais de 2 milhões de visualizações, a pedido da candidatura Alckmin, a Justiça Eleitoral ordenou a retirada do material de circulação. Episódios como esse poderiam ser evitados caso o Facebook mobilizasse no Brasil ferramentas de monitoramento como o faz nos Estados Unidos. Em vez disso, a plataforma tem recorrido a um processo de autorização [17] autodeclaratório dos autores e dos conteúdos considerados por eles mesmos como políticos. Contudo, importante destacar que esta discussão incide sobre a autoridade das empresas em remover ou não conteúdos políticos das mídias sociais.
Aos perfis cadastrados que declarem querer veicular anúncios políticos pagos, depois da checagem de sua documentação, é liberada a possibilidade de impulsionar conteúdo com um aviso legal "pago por", com informações sobre o indivíduo ou a organização que paga pela propaganda. Embora este seja um recurso de transparência importante no sentido de dificultar a ação de candidaturas que, eventualmente, tentem direcionar anúncios com conteúdo visando sabotar a participação eleitoral de potenciais eleitores de candidaturas adversárias, ele não é suficiente para evitar que impulsionamentos "ilegais" ocorram via Facebook. Especialistas têm chamado a atenção inclusive para a possibilidade de uso de "caixa dois" por meio do impulsionamento [18] . Nesse sentido, o Ministério Público e a própria sociedade poderiam se mobilizar junto à Justiça Eleitoral para aprimorar o processo de divulgação das informações sobre impulsionamentos.
Referências:
CRAWFORD, Kate. DARK DAYS: AI andtheRiseofFascism. In: SXSW 2017, Austin, Texas, EUA. Anais... Austin, Texas, EUA: South bySouthwest, 2017. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=Dlr4O1aEJvI&feature=youtu.be&t=1668>
DIMAGGIO, Paul; HARGITTAI, Eszter; NEUMAN, W. Russell; et al. Social Implicationsofthe Internet. Annual Review ofSociology, v. 27, n. 1, p. 307–336, 2001. Disponível em: <http://www.annualreviews.org/doi/10.1146/annurev.soc.27.1.307>. Acesso em: 8 set. 2018.
HARGITTAI, Eszter. Second-Level Digital Divide: Differences in People’s Online Skills. FirstMonday, v. 7, n. 4, 2002. Disponível em: <http://journals.uic.edu/ojs/index.php/fm/article/view/942>. Acesso em: 8 set. 2018.
IBGE. Características gerais dos domicílios e dos moradores 2017. Brasil: IBGE, 2017. (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua). Disponível em: <https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv101566_informativo.pdf>. Acesso em: 8 set. 2018.
MORRIS, David S.; MORRIS, Jonathan S. Digital InequalityandParticipation in thePoliticalProcess: Real orImagined? Social Science Computer Review, v. 31, n. 5, p. 589–600, 2013. Disponível em: <http://journals.sagepub.com/doi/10.1177/0894439313489259>. Acesso em: 8 set. 2018.
[1] Mestrando IPOL/UnB. Bolsista Capes INCT IDDC-Resocie.
[2] Doutorando IPOL/UnB. Bolsista Capes INCT IDDC-Resocie.
[3] Pós-Doutorando IPOL/UnB. Bolsista Capes INCT IDDC-Resocie.
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