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  • Foto do escritorObservatório das Eleições

A nova cara da velha política

Érica Anita Baptista*, Pedro Camelo**


As últimas eleições ocorridas no Brasil se inserem em um cenário de incertezas e desconfiança dos brasileiros em relação aos seus representantes. Desde 2013, vemos a formação de uma massa de insatisfeitos com os rumos da política e da economia do país. Grandes escândalos de corrupção, como o mais recente deles que trata de um esquema envolvendo a Petrobras, revelam que é uma prática indiferente ao cargo público ocupado e, mais ainda, independente ao partido de filiação. Assim, o que vimos foi uma corrupção espraiada por todos os pontos do espectro ideológico e com representantes de todas as agremiações políticas.


O anseio por mudança foi traduzido por muitos partidos políticos como a necessidade de inserir novas caras na política e, também, novas agremiações. A ideia é romper com a polarização entre PT e PSDB, trazer discursos mais claros e de fácil adesão aos eleitores e se colocar distante das amarras da chamada política tradicional. Entre políticos de carreira com nova roupagem e gestores com promessas de quase sucesso empresarial dos Estados e do país, as eleições de 2018 já deixam suas marcas na história política e eleitoral do Brasil. As propagandas políticas procuram enfatizar a ideia do novo, do diferente e de rompimento com os problemas da política tradicional e as mensagens de campanha se espalham nos sites de redes sociais e, sobretudo, nos grupos de Whatsapp.


Desde 2002, todas as eleições estaduais de Minas Gerais têm sido marcadas por uma presença definitiva do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB) e do Partido dos Trabalhadores (PT) que, em primeiro ou segundo turno, têm se alternado nos dois primeiros lugares do pódio na corrida pela cadeira do Palácio da Liberdade. Em 2018, as pesquisas de intenção de voto apontavam para um cenário semelhante: possuindo ampla vantagem em relação aos demais candidatos ao cargo, a decisão seria travada entre o peesedebista Antônio Anastasia, senador da República e ex-governador do Estado, e Fernando Pimentel, petista e governador em exercício. Os dois políticos possuíam ampla vantagem em relação aos demais candidatos ao cargo em todos cenários, assim como a maior taxa de rejeição entre os possíveis governadores. No entanto, pela primeira vez em 16 anos, a decisão em segundo turno pelo governo de MG não será marcada pela polarização entre PT e PSDB: Romeu Zema, do estreante partido Novo, obteve 42,73% dos votos válidos no primeiro turno, superando em 13 pontos a votação do então favorito Antônio Anastasia e retirando Fernando Pimentel da segunda etapa da disputa pelo governo do estado.


Romeu Zema é CEO do Grupo Zema, conglomerado sediado em Araxá que explora serviços que se estendem desde o comércio no varejo até o ramo de automóveis e combustíveis. Após 26 anos na diretoria executiva na empresa, Zema filiou-se ao Partido Novo, sigla fundada em 2011 com proposta econômica liberal, que conta majoritariamente com membros principiantes na carreira política. A recente inserção do empresário na vida pública marcou intensamente a estratégia de campanha ao longo do primeiro turno: seguindo uma tendência que pôde ser observada nas eleições municipais de 2016 em campanhas de candidatos como os prefeitos eleitos Alexandre Kalil (PHS) e João Doria (PSDB), a estratégia da candidatura do Partido Novo baseou-se bastante em uma dissociação de Romeu Zema à classe política, à medida que se apresentava como um gestor bem-sucedido na iniciativa privada. E a ênfase na alternativa à velha política. Em crescida meteórica, o empresário conseguiu subir quase 40 pontos de intenção de voto, entre agosto e o primeiro turno das eleições estaduais, que ocorreu no dia 7 de outubro.


Legenda: Propaganda política de Romeu Zema em 2018. Jingle: https://www.youtube.com/watch?v=m4dTl-JsqZc

Não apenas em Minas Gerais pôde-se perceber o sucesso de candidaturas que acionavam uma figura não-política. Anteriormente sem representação legislativa, o Partido Novo conseguiu eleger 1 deputada distrital, 12 deputados estaduais — em São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul — e 8 deputados federais — pelos mesmos estados e por Santa Catarina — em 2018. O número de deputados federais eleitos pelo partido é o mesmo obtido por legendas mais consolidadas como o Partido Republicano da Ordem Social (PROS), o Partido Social Cristão (PSC) e o Partido Popular Socialista (PPS), sigla com 26 anos de fundação. No entanto, o Novo não é a única legenda por meio da qual figuras bem sucedidas na iniciativa privada, que nunca antes tinham ocupado cargos eletivos, conseguiram se eleger na eleição de 2018.


Ibaneis Rocha, do Movimento Democrático Brasileiro (MDB), é outro candidato que, inicialmente apagado nas pesquisas de intenção de voto, cresceu aceleradamente ao longo do período eleitoral. Advogado radicado em Brasília, o emedebista atingiu 41,97% dos votos válidos na eleição pelo governo do Distrito Federal, tendo figurado na faixa dos 2% de intenção de voto nas primeiras pesquisas eleitorais. Ibaneis superou políticos conhecidos do público candango, inicialmente previstos no segundo turno, como Eliane Pedrosa (PROS) e Alberto Fraga (DEM). Superou em 28 pontos percentuais o segundo colocado, Rodrigo Rollemberg, governador em exercício pelo Partido Socialista Brasileiro.

Legenda: Propaganda política de Ibaneis Rocha em 2018 Ver: https://www.youtube.com/watch?v=qtbQook2fFE

No Rio de Janeiro também houve uma reviravolta na reta final do primeiro turno das eleições estaduais. Nas pesquisas iniciais de intenção de voto, a disputa era fortemente marcada pelas candidaturas do ex-prefeito Eduardo Paes (DEM), pelo senador Romário (Podemos) e pelo ex-governador Anthony Garotinho (PRP), candidatura que foi indeferida pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) na semana anterior às urnas. Wilson Witzel, do Partido Social Cristão (PSC), ex-juiz federal, nunca esteve em cargo eletivo e aparecia com 1% das intenções de voto nas pesquisas realizadas em agosto. Tendo crescimento gradual ao longo do período eleitoral, o ex-juiz obteve o dobro dos votos de Eduardo Paes no primeiro turno, com 41,28% dos votos válidos.


Em Santa Catarina, a disputa pelo governo estadual era protagonizada, de acordo com pesquisas eleitorais efetuadas por diversos institutos, por Gelson Merisio (PSD), Mauro Mariani (MDB) e Décio Lima (PT), políticos de carreira conhecida no estado. Em contramão às previsões, o candidato Carlos Moisés da Silva, do Partido Social Liberal (PSL) atingiu a marca de 29,72% dos votos no primeiro turno. O candidato do PSL, que havia obtido 1% das intenções de voto na pesquisa do Ibope realizada entre 14 e 16 de agosto, tirou as candidaturas do MDB e do PT da disputa do segundo turno, tendo menos de 2% de diferença em relação ao primeiro colocado da figura, Gelson Merisio (PSD). Bombeiro militar da reserva, Carlos foi o representante catarinense da candidatura nacional de Jair Bolsonaro, pelo mesmo partido, aspecto que pode ter favorecido o grande crescimento de votos no dia 7 de outubro.

Legenda: Trecho da propaganda política de Carlos Moisés, em que ele declara apoio a Bolsonaro.

Cabe apontar que, no caso do Rio de Janeiro e de Minas Gerais, o endosso mais ou menos formal à figura de Jair Bolsonaro pode ter alavancado a votação de seus apoiadores na reta final do primeiro turno. Romeu Zema, em sua participação no debate da TV Globo no dia 3 de outubro — a essa altura, a única participação do empresário em debates televisivos — demonstrou, em suas declarações finais, apoio às candidaturas presidenciais de João Amoedo, candidato de seu partido, e Jair Bolsonaro. Este endosso gerou uma resposta do Novo, que reforçou sua candidatura presidencial própria, mas as pesquisas do Ibope realizadas após a aparição de Zema no debate apontaram uma forte tendência crescente da candidatura do empresário ao longo da semana anterior à eleição.


Wilson Witzel, do PSC, sempre declarou o seu apoio à candidatura presidencial de Jair Bolsonaro - vale lembrar que o candidato do PSL à presidencia foi filiado ao PSC de março de 2016 a janeiro 2018, quando já havia anunciado que seria pré-candidato presidencial. Em 2017, o futuro senador Flavio Bolsonaro (PSL) postou foto nas redes sociais com Witzel, então presidente da Associação dos Juízes Federais do RJ e ES. Desde o período pré-eleitoral, tem se costurado uma articulação entre as campanhas do candidato do PSC e do PSL, cujo apoio implicou inclusive a eleição de Aroldo de Oliveira (PSD) para a segunda vaga do Senado pelo Rio de Janeiro, situando-se à frente de figuras políticas consolidadas como Lindbergh Farias (PT), César Maia (DEM) e Chico Alencar (PSOL). No segundo turno, Ibaneis Rocha (MDB) ainda não endossou formalmente nenhum apoio a candidato à Presidência da República, mas, em carreta pela Candangolândia (DF) e pelo Núcleo Bandeirante (DF), o emedebista acenou ao eleitorado do candidato do PSL: “Quem quer Bolsonaro vota 15 e vira ‘bolsoneis’”.


O candidatos da nova política seguem desafiando as análises de especialistas e os resultados das pesquisas eleitorais. Além disso, reforçam o uso dos sites de redes sociais como importante palanque eleitoral, algo que já vem ocupando agendas de pesquisa há alguns anos.


O signo que prevalece em 2018 é o da mudança, seja por um forte sentimento de anti-petismo ou por uma repulsa ao que se convencionou chamar de política tradicional. Os candidatos que mencionamos trabalham estrategicamente a imagem do novo e de serem uma alternativa política à descrença dos cidadãos, já constatada em diversas pesquisas. Ainda que seja uma promessa de novo com uma roupagem velha, sobretudo, quando se observa as temáticas e propostas levantadas por seus representantes, que em nada se altera do que vimos em outros pleitos. É possível que essa opção pela suposta novidade sirva, em última instância, para que os partidos e os políticos, já acomodados a sempre estarem na dianteira das eleições, repensem os rumos da política e façam uma leitura mais cuidadosa dos anseios dos cidadãos, além de reconsiderarem um discurso mais próximo da realidade das pessoas e de fácil adesão.


*Doutora em Ciência Política pela UFMG. Pós-doutoranda no grupo de Pesquisa em Mídia e Esfera Pública (EME-UFMG). anitaerica@gmail.com

**Graduando em Comunicação Social na UFMG. Bolsista de Iniciação Científica no grupo de Pesquisa em Mídia e Esfera Pública (EME-UFMG). pedrobcamelo@gmail.com

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