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Foto do escritorObservatório das Eleições

Amplificação de conteúdo político durante as eleições: por que devemos nos preocupar?


Por Rafael Schmuziger Goldzweig (Hertie School of Governance / Dahrendorf Forum)*


Ainda que meios de comunicação tradicionais e o tempo de propaganda política sejam fatores poderosos na hora de definir o voto do brasileiro, as mídias sociais têm sido uma crescente fonte de informação para o eleitor, e muito do que gera atenção no meio virtual acaba virando notícia nos meios de comunicação tradicional. Dessa forma, as campanhas têm usado as mídias sociais como importante ferramenta estratégica para chamar a atenção dos eleitores.


Estudos provam que o ambiente virtual teve uma influência grande na eleição de Donald Trump em 2016, e a forma como grupos que o apoiavam usaram as mídias sociais beneficiou o candidato. Grupos de extrema direita, que representavam 11% dos seguidores do então candidato, foram responsáveis por cerca de 60% dos retweets para ele durante o período eleitoral [1]. A tendência se seguiu em outros países – na campanha do Brexit, nas eleições da Alemanha e da França, entre outros. No Brasil, a situação não é diferente. O sucesso do candidato Jair Bolsonaro é, em parte, explicado pelo seu alcance nas mídias sociais e o apoio de grupos que o capitalizam.


Nesse sentido, cabe a pergunta: as mídias sociais são um ambiente representativo da população brasileira? De acordo com a Pesquisa Brasileira de Mídia, 34% dos brasileiros ainda não possuem acesso à internet. Dos que acessam a rede, uma grande maioria são homens, e, em grande parte, de grandes centros urbanos do país – principalmente da região sudeste. Se considerarmos somente esses critérios, podemos afirmar que não é um ambiente representativo do eleitor médio brasileiro. Para além disso, muito do que acontece na Internet demanda um olhar mais apurado – além de não representativo, muitas vezes o debate tem a influência de usuários falsos.


Os bots e os candidatos: em um relacionamento sério

Tradicionalmente, uma boa campanha política é eficaz quando consegue chamar atenção. Por isso, no Brasil, tempo de televisão é um fator chave para eleger um candidato. Em tempos de mídias sociais, atenção não é uma variável tão linear como na televisão. Ela é gerada pelas reações dos usuários aos posts, seja por likes ou compartilhamentos, e pode vir de usuários reais ou falsos. Perfis falsos – sejam eles operados por pessoas ou de forma automática (bots) – ou a automatização de mensagens de perfis verdadeiros são estratégias cada vez mais usadas para gerar essa atenção de forma artificial. Com isso em mente, analisamos os dados de seguidores das contas no Twitter dos candidatos à presidência mais bem colocados nas pesquisas.


Gráfico I: Data de criação dos seguidores no Twitter, por candidato

Os dados do gráfico acima mostram o número de contas que seguem cada candidato, de acordo com a data de criação dessas contas. Importamos cerca de 60 mil seguidores [2] de cada um dos candidatos e os agrupamos por dia de criação da conta. Em alguns casos, a criação de contas chega até a 2006, mas resolvemos mostrar a atividade dos últimos dois anos de cada candidato para entender se existe ou não alguma atividade estranha relacionada ao período eleitoral. Como se pode observar, a distribuição de datas de criação de contas não apresenta grande variação em 2017 e em grande parte de 2018. Próximo ao período eleitoral, no entanto, temos uma atividade intensa de criação de contas que seguem os candidatos, começando em março, nos casos de Marina Silva e Geraldo Alckmin, até agosto, nos casos de Lula, Bolsonaro e Amoedo.


Em todos os casos analisados temos uma concentração de seguidores criados em datas específicas. Ou seja, por dias seguidos, entre 300 (no caso de Lula) e 1700 (no caso de Bolsonaro) contas criadas passam a seguir os candidatos, por dia (com picos nos dias 08.07.2018 e 10.08.2018, respectivamente). Não podemos afirmar que todas as contas sejam falsas, mas essa atividade é anormal em termos das tendências históricas apresentadas nos gráficos.


Afinal, como podemos identificar os bots?


Sem usar técnicas de análise de dados, a maneira mais fácil de filtrar bots é por meio dos nomes de usuários e suas fotos de perfil. O nome de usuário de um bot pode conter muitos símbolos, números ou nomes falsos. Muitas vezes, usam fotos repetidas entre perfis diferentes, e possuem uma atividade fora do usual na timeline. Perfis falsos em geral twittam com uma grande frequência, endossando propaganda política polarizada ou notícias falsas, mas também podem ser ativadas para outras finalidades, como espalhar discurso de ódio ou gerar atenção aos perfis que segue através de curtidas e RTs. Como demonstrado nos gráficos acima, a data de criação da conta também é um indicador. Contas criadas próximas ao período eleitoral, com muitos posts e compartilhamentos, podem indicar uma atividade de geração de atenção artificial.


Além disso, temos hoje diversas ferramentas disponíveis, que buscam avaliar se uma conta é ou não um bot. É o caso de algoritmos como o Pegabot (https://pegabot.com.br/) ou o Botornot (https://mikewk.shinyapps.io/botornot/), que avaliam a probabilidade de um usuário do Twitter ser um bot (de 0 a 100%).


Os gráficos abaixo apresentam amostras de dias analisados com a ferramenta botornot [3]. Neles são analisados dias com uma intensa atividade de criação de contas, com o objetivo de certificarmos se são contas falsas.


Gráfico II: Probabilidade dos seguidores de um candidato serem falsos (amostra de dois dias por candidato)


Como podemos ver nos testes de dois dias analisados por candidatos, grande parte das contas tem mais de 90% de chances de serem artificiais. O teste foi feito com o algoritmo “botornot” através do R, que, ainda que não garanta a eficácia de 100% na identificação das contas, mostra que a tendência é real. O teste foi feito em amostras de dias nos quais menos de 180 contas foram criadas - o algoritmo de checagem de contas permite que sejam analisadas apenas 180 contas a cada 15 minutos, e por essa razão, escolhemos analisar amostras de dias com menos de 180 contas criadas. Para confirmar, ainda fui checar as bases de dados dos candidatos para ver os nomes dos usuários em dias de pico.


Em todos os casos, detectamos a presença de bots nos seguidores mais recentes dos candidatos. Cabe ressaltar, porém, que nem todos os bots são iguais. Os dados não mostram a atividade dos bots, mas sabemos que em muitos casos eles são usados para gerar likes e retweets para um determinado usuário, para assediar um determinado candidato com discurso de ódio, para compartilhar informação falsa, entre outros. Dessa forma, ainda que todos tenham seguidores falsos, não se sabe bem o uso que cada um faz deles – ou mesmo se são as próprias campanhas que os compraram.



Se todos têm seguidores falsos, por quê é importante comparar?


Analisar métodos artificiais de gerar atenção online é importante para entender a intensidade, a frequência e o espaço de tempo em que esses métodos são usados para enganar o usuário, fazendo-o achar que um tema ou uma opinião tem maior relevância do que teria sem o uso de bots. Impulsionar conteúdo artificialmente gera atenção não só entre usuários reais da plataforma, mas tem o potencial de chamar a atenção de meios de comunicação tradicionais, que acabam usando as contas das mídias sociais de candidatos como fonte de informação para a cobertura de campanhas eleitorais.


A identificação de bots influenciando o debate público no Brasil foi também confirmado em um estudo realizado pelo InternetLab (http://www.internetlab.org.br/pt/informacao-e-politica/bot-ou-nao-quem-segue-os-candidatos-presidente/) e pela Diretoria de Análise de Políticas Públicas da Fundação Getúlio Vargas (http://dapp.fgv.br/robos-redes-sociais-e-politica-estudo-da-fgvdapp-aponta-interferencias-ilegitimas-no-debate-publico-na-web/). Outras análises são necessárias para entender que tipo de conteúdo está sendo impulsionado em cada campanha, e quando esse tipo de método é utilizado.

O que fazer, então?


Quando falamos de mídias sociais e eleições, não existem respostas fáceis para que o debate político seja mais transparente. Ao redor do mundo, diversos países têm tentado impor regulações que tornem plataformas de redes sociais responsáveis pelo conteúdo que é compartilhado nelas. Segundo o Tribunal Superior Eleitoral, as alterações promovidas pela Lei nº 13.488, de 6 de outubro de 2017 (http://www.justicaeleitoral.jus.br/arquivos/propaganda-eleitoral-na-internet), atualizam normas eleitorais, adaptando regras para o marketing político no ambiente virtual, em especial nas mídias sociais. Entre suas disposições, a lei proíbe o uso de dispositivos ou programas, tais como robôs, para distorcer a repercussão de conteúdo. Dessa forma, se comprovado que as atividades de robôs nas mídias sociais foi contratada pelas campanhas políticas com a intenção de gerar atenção, elas estariam em desacordo com a lei eleitoral. Novamente, é importante que uma análise mais aprofundada seja feita antes de garantir que esse seja o caso.


A pouco mais de um mês para o primeiro turno das eleições, vamos enfrentar semanas intensas de debates – online e offline - que serão baseados em notícias falsas, estratégias de campanha pouco éticas e outros métodos de grupos organizados para dar impulso a um ou outro candidato no meio virtual. Como eleitores, temos que estar atentos às estratégias de campanha no meio virtual. Entender o que ocorre é um passo importante para consumir conteúdo de maneira responsável nesse período e votar de maneira consciente.



[1] Zhang, et. al. (2017). Attention and amplification in the hybrid media system: The composition and activity of Donald Trump’s Twitter following during the 2016 presidential election. New Media & Society. SAGE.


[2] Os dados foram importados usando o software R, com o pacote “rtweet”. A função que permite importar os dados possibilita a captura de cerca de 60 mil dos últimos seguidores. Importamos todos os dados no dia 30.08.2018.


[3] Para maiores informações sobre como funciona a ferramenta, consulte http://gdac.uqam.ca/WWW2016-Proceedings/companion/p273.pdf


*Rafael Goldzweig é pesquisador no Dahrendorf Forum em Berlim, onde trabalha com o tema de novas mídias e eleições. Antes de ingressar no Forum, ele foi Policy Fellow do Google e trabalhou por dois anos como consultor político na Prospectiva Consultoria em São Paulo e Brasília. Rafael é bacharel em Relações Internacionais pela Universidade de São Paulo (USP) e mestre em políticas públicas pela Hertie School of Governance.



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