Mateus Morais Araújo e Marjorie Corrêa Marona
Conforme amplamente noticiado, na tarde do último dia 15 o ex-presidente Lula registrou sua candidatura pelo Partido dos Trabalhadores para o cargo de Presidente da República, mesmo diante da ameaça que lhe aflige a combinação da Lei da Ficha Limpa com a condenação em segunda instância no caso do triplex. Por outro lado, as pesquisas eleitorais realizadas até aqui colocam o candidato petista em primeiro lugar em todos os cenários, vencendo também em todas as projeções de segundo turno.
Em outras palavras, o resultado das eleições presidenciais de 2018 sofrerá o impacto direto da atuação da Justiça, particularmente pelo processamento e julgamento das ações de impugnação de candidatura prontamente distribuídas, inclusive pela Procuradoria Geral da República, junto ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Essa conjuntura torna ainda mais relevante a alternância na composição do tribunal, por meio da qual a Ministra Rosa Weber substituiu o Ministro Luiz Fux, ambos do STF, na presidência, cuja vaga foi ocupada pelo Ministro Edson Fachin. Ainda, os Ministros Roberto Barroso (STF) e Jorge Mussi assumiram as cadeiras de Vice-presidente e Corregedor Eleitoral, respectivamente e o Ministro Og Fernandes (STJ) substituirá o Ministro Napoleão Nunes Maia Filho no dia 30 de agosto. Dessa forma, a composição do TSE que irá julgar a candidatura do ex-presidente Lula ficará da seguinte forma:
Especular sobre os possíveis posicionamentos dos Ministro em relação à candidatura do ex-presidente Lula é tarefa difícil. A tentativa de previsão direta dos posicionamentos dos Ministros pela simples indicação para a vaga tem sido contestada pelas pesquisas mais recentes sobre o tema, particularmente interessadas nas cortes constitucionais. E, no caso do TSE, há uma dificuldade extra contida na vinculação entre a composição do tribunal e a origem institucional de seus membros, o que limita, por si só, a iniciativa dos presidentes.
O TSE não contém quadro próprio, de modo que a escolha de seus (7) membros se dá entre os ministros do STF (3), do STJ (2) e advogados (2) de notável saber jurídico e idoneidade moral, indicados pelo STF e nomeados pelo presidente da República. A presidência e vice-presidência do TSE deve ser preenchida pelos ministros do STF e a corregedoria eleitoral deve ficar sob a responsabilidade de um dos ministros do STJ. A escolha dos advogados envolve a organização de uma lista com seis nomes indicados pelo STF, da qual serão escolhidos três a serem apresentados ao presidente da República para apreciação e nomeação.
Existem, de forma resumida, dois conjuntos de teorias – não necessariamente contraditórios entre si - que têm como objetivo explicar o comportamento de juízes, ministros e cortes. Agrupadas em torno dos “modelos atitudinais” e “modelos estratégicos” as teorias enfatizam ora o peso das preferências pessoais dos magistrados – capturadas por suas manifestações públicas, trajetórias profissionais, forma de ingresso na magistratura, etc – sobre a sua decisão, ora os constrangimentos a que estão submetidos os magistrados, que decidiriam estrategicamente, evitando possíveis retaliações ou resistências de outros atores políticos. Entre os fatores que poderiam afetar a decisão dos juízes, encontram-se as preferências políticas dos governos, o posicionamento das categorias profissionais de juristas e mesmo a opinião pública.
Vale a pena destacar, nesse sentido, algumas circunstâncias relacionadas ao processamento e julgamento da candidatura de Lula à presidência da República. Em primeiro lugar chama atenção o fato de que o processo de nomeação, tal qual ocorre, impõe domínio das perspectivas do STF sobre o TSE, não apenas porque possui o maior número de vagas (3/7), mas também porque ocupa os cargos da presidência e vice-presidência do tribunal, o que adere prerrogativas importantes a dois de seus ministros, e, ainda, porque interfere diretamente no processo de nomeação de outros dois membros dos tribunais, aqueles advindos da advocacia.
Daí a importância de se observar, particularmente, os movimentos realizados por Rosa Weber, Roberto Barroso e Edson Fachin, pois, ao que tudo indica, orientarão o processo e a decisão em relação à candidatura de Lula. Todos já se manifestaram favoravelmente à Lei da Ficha Limpa, como noticiou a imprensa. Ademais, os três membros do STF compuseram a maioria daquela Corte quanto ao pedido de liberdade do ex-presidente, embora a Ministra Rosa Weber tenha se declarado pessoalmente contrária à tese da prisão em segunda instância.
Por outro lado, a candidatura de Lula poderia encontrar na opinião pública alguma força. Historicamente, tribunais evitam entrar em confronto direto com a opinião pública, e alguns dos ministros membros do tribunal já se mostraram suscetíveis a agir evitando conflitos deste tipo. As pesquisas de intenção de voto sugerem a resiliência do candidato e a recente manifestação do Comitê de Direitos Humanos da ONU, que determinou sejam assegurados os direitos políticos de Lula até julgamento final acerca de sua elegibilidade, particularmente que seja garantida a realização de todos os atos de campanha, certamente influencia a opinião pública.
Contudo, no atual contexto de crise institucional, nem mesmo considerando o fato de que não o julgamento em si, mas a forma como se dará o processamento da impugnação da candidatura de Lula também está em disputa, porque impacta a estratégia de transferência de votos a Haddad, é possível arriscar como se pronunciará o TSE. A inflexão à opinião pública só se realizaria se a decisão da ONU fosse de fato veiculada pela grande mídia, que não se mostra disposta a fazê-lo. Tampouco o governo reagiu positivamente à decisão – vide manifestação do Itamaraty e do Ministério da Justiça, desqualificando-a. Por outro lado, recai sobre o TSE e sobre o STF a responsabilidade histórica de posicionar o Brasil no cenário internacional perante o sistema de garantias dos direitos humanos. Não é pouco, mas não parece ser o suficiente.
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