top of page
Foto do escritorObservatório das Eleições

A força eleitoral do Bolsa-Família em 2018


Sergio Simoni Junior*


Um dos principais assuntos das últimas três eleições presidenciais foi o Programa Bolsa-Família (PBF). Programa de transferência de renda condicionada formulado pelo PT em 2004, a partir da unificação de programas anteriores elaborados pelos PSDB, o PBF tornou-se uma bandeira política do Partido dos Trabalhadores. Seus adversários, ao longo dos anos, mantiveram uma relação ambígua com o programa: ora o criticavam por “dar o peixe, mas não ensinar a pescar”, ora prometiam que iriam manter ou até mesmo ampliá-lo caso fossem eleitos.


Diversos estudos acadêmicos mostram o que o senso comum também intui: a distribuição do programa esteve positivamente correlacionada com o voto no PT em 2006, 2010 e 2014. Além disso, as explicações correntes ressaltam que o PBF explicaria também as maciças votações do partido no Nordeste, região onde o programa tem maior penetração.


Qual é a interpretação que podemos dar para esses fenômenos empíricos? Alguns diriam que se trata de um voto racional, de tipo retrospectivo: eleitores estariam recompensando o partido que os beneficiou com uma política pública. Outros afirmariam que se trata mais propriamente de uma versão “atualizada” de compra de votos de eleitores pobres.


Em 2016, o PT saiu do governo após sofrer um processo de impeachment. O PBF, no entanto, sobreviveu e beneficia hoje cerca de 14 milhões de famílias. As eleições de 2018, dessa forma, são as primeiras que ocorreram sob a vigência do programa social e com o PT na oposição. Em sua campanha, o partido ressaltou que foi o formulador do PBF. Como ocorreu em demais pleitos, outros partidos, mesmo os de cunho mais liberal, afirmaram que o manteriam. Após o primeiro turno, Jair Bolsonaro (PSL), atual símbolo do anti-petismo, declarou que pretende instituir o pagamento de uma “13ª” parcela do PBF.


Assim, cabe indagar: qual é a relação entre a distribuição do PBF e o resultado eleitoral em 2018? O PT ainda teria se beneficiado do programa, mesmo estando na oposição? O reduto do partido na região Nordeste seria explicado pelo maior penetração do programa de transferência de renda?


De modo a avaliar esses cenários, elaborei um simples modelo de regressão linear. As unidades de análise são os municípios. A variável dependente é a porcentagem de votos válidos do PT no primeiro turno. As variáveis independentes são: (a) porcentagem de beneficiários do PBF, (b) proporção de votos válidos no PT no primeiro turno de 2014 e (c) indicadores de macrorregião dos municípios. A região de referência é o Sudeste. Os dados de beneficiários do PBF são aproximados devido à defasagem de dados municipais. Assumi dois eleitores por família beneficiária e dividi esse valor pelo total de eleitores aptos por município.


Evidentemente, os resultados devem ser tomados com cautela, pois não contém outras variáveis de controle que podem ser relevantes, como crescimento do PIB, partido do prefeito, etc. Além disso, sofre das dificuldades inerentes a dados observacionais.

O gráfico abaixo apresenta os resultados:



As estimativas mostram que quanto maior o número de beneficiários do PBF, maior a votação estimada do PT em 2018. Ou seja, mesmo estando na oposição, sem controle orçamentário e legislativo do programa, o PT ainda se beneficia da distribuição do programa social. É possível que se trate de um mecanismo de reciprocidade ou criação de vínculos eleitorais com o partido formulador da política, que vai além do mandatário que se encontra no poder. O partido também teve melhor desempenho em 2018 nas cidades que foi melhor em 2014 (lembrando que os resultados não significam, necessariamente, que o PT ganhou nessas cidades).


Além disso, outro resultado interessante é a relação entre região e voto. Municípios do Nordeste apresentam maior porcentagem estimada de voto no PT que municípios do Sudeste. Exposta dessa forma, essa afirmação parece trivial. No entanto, como o PBF é um dos regressores do modelo, os resultados mostram que o maior apoio dos municípios do Nordeste ao PT vai além do programa de transferência de renda.

Dessa forma, estamos diante de um fenômeno mais complexo do que parece à primeira vista. Visões como “compra de voto” e clientelismo se enfraquecem na medida em que o partido beneficiado eleitoralmente pela política se encontra na oposição. Além disso, o próprio programa é insuficiente, isoladamente, para dar conta da votação no Nordeste.


Muito provavelmente, os beneficiários do PBF continuarão tendo importante peso eleitoral no futuro. Dimensioná-lo e compreendê-lo adequadamente é uma tarefa importante que cabe a qualquer analista.


*Sérgio Simoni Jr é doutor em Ciência Política pela USP e pesquisador do Centro de Estudos de Opinião Pública da Unicamp (Cesop/Unicamp).

310 visualizações1 comentário

1 Comment


mvcabral
Oct 21, 2018

O papel do «bolsa família», originário do governo FHC por proposta de Crsitóvão Buarque em associaçã com a obrigatoriedade da escolarização das crianças, na conquista eleitoral do Nordeste pelo PT, originário do Sul e Sudeste, é bem conhecido: «Lula e o PT, desde que tomaram o poder em 2003, mudaram completamente a sua base eleitoral dos estados desenvolvidos do Sul do Brasil (o primeiro foi o Rio Grande do Sul nas presidenciais de 1998) para os estados pobres do Nordeste. Esta completa mudança da base do eleitorado do partido deveu-se, como escrevi, à difusão generalizada do «Bolsa Família» demonstrada há mais de 10 anos http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-31572009000100007

A isto chama-se clientelismo de massas; não lisura de processos, muito menos à luz das…

Like
bottom of page