Jairo Nicolau*
Nos dias que antecedem o primeiro turno das eleições presidenciais no Brasil surgem as inevitáveis contas sobre as chances de cada candidato passar para o segundo turno. E nessas contas não podem faltar as especulações a respeito dos votos inválidos (somatório de votos nulos e em branco) e das abstenções.
Em 2014, por exemplo, alguns sustentaram que os votos inválidos no Nordeste afetariam o desempenho de Dilma Rousseff. Mas isso não ocorreu; a taxa na região não foi muito diferente de outras regiões do país. Mesmo nas pequenas cidades nordestinas, onde o percentual de votos inválidos é um pouco mais alto, não têm um volume de inválidos muito maior do o de pequenas cidades de outras regiões do país.
Depois de alguns anos estudando a taxa de abstenção no Brasil aprendi que ela é afetada por muitos fatores e é difícil estimar o volume de eleitores que voluntariamente deixa de votar. Sabemos que apenas dois grupos se abstêm num grau mais alto do que outros: analfabetos e eleitores com mais de 70 anos. Não por coincidência os dois segmentos para os quais o voto não é compulsório.
Uma análise sobre a taxa de abstenção nas cidades brasileiras ensina que ela está fortemente associada ao cadastro eleitoral. Cidades que não fazem recadastramento eleitoral acumulam na lista eleitores que já emigraram, idosos que desistiram de votar e um resíduo de mortos que não foram retirados da lista.
Quem comparece a uma seção eleitoral e observa o volume de comprovantes não destacados da lista de votantes deve saber que ali estão alguns que decidiram não votar por uma razão política. Mas entre eles também estão alguns que simplesmente não irão pelas razões apontadas acima.
Por outro lado, os dados sobre nulos e brancos são um bom indicador para dimensionarmos o comportamento eleitoral, pois eles permitem que façamos comparações entre as cidades. Afinal, estamos comparando a escolha de todos que foram votar. Existe diferença entre inválidos nas diversas regiões do país? Existe alguma associação entre o nível de desenvolvimento dos municípios e a taxa de votos brancos e nulos?
Apresento três gráficos que mostram que as diferenças entre as taxas de inválidos nas eleições para presidente realizadas a partir de 2002, quando a urna eletrônica foi usada pela primeira vez por todos os brasileiros em eleições gerais.
O gráfico abaixo mostra o percentual de votos nulos e brancos em âmbito nacional. Nas eleições de 2002 o percentual de nulos foi um pouco maior, mas nas eleições seguintes se estabiliza em torno de 5%. Os votos têm um leve incremento ao longo do tempo, mas são sempre menores do que os nulos.
O mesmo padrão pode ser observado quando segmentamos os resultados por região. Na figura abaixo podemos observar que não existe grandes diferenças entre elas. Novamente a estabilidade se mantém, sobretudo a partir de 2006. Os votos nulos são um pouco maiores no Nordeste (cerca de 2, 3 pontos em relação a outras regiões); a região conheceu uma alta taxa de nulos somente em 2002.
Um último gráfico explora a relação entre tamanho das cidades e votos inválidos. As cidades foram segmentadas em cinco faixas, de acordo com o censo de 2010. Novamente, chama a atenção o alto contingente de votos nulos em 2002. A partir de 2006 o padrão é relativamente estável em todos os tipos de cidade. Nas maiores cidades (acima de 200 habitantes) houve um leve crescimento dos nulos em 2014 (em torno de 7%), mas num patamar bem inferior ao que veríamos nas mesmas cidades nas eleições municipais de 2016.
Os dados apresentados aqui estão longe de esgotar os fatores que explicam por que alguns estados, cidades e áreas das cidades têm um patamar de votos inválidos maiores do que outras. Mas mostram que a partir de 2006 observamos um padrão bastante estável dos inválidos nas eleições presidenciais. Esse padrão, pouco conhecido, parece um milagre diante de fatores bem mais instáveis das eleições no Brasil. Obviamente tudo isso pode mudar em 2018, mas na dúvida, melhor não superestimar os efeitos dos votos nulos e em branco sobre qualquer uma das candidaturas.
* Jairo Nicolau é professor de Ciência Política da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)
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